Holandês Erwin Olaf explora melancolia com estética da publicidade e da moda

DAIGO OLIVA

Se pudesse escolher, o fotógrafo holandês Erwin Olaf teria o torso hiperdefinido, a boca fina e o rosto sem rugas. Ele, porém, sabe que não há muito o que fazer. Como sofre de enfisema pulmonar desde 1996, imagina que viverá permanentemente com um cateter de oxigênio.

A barba, sem fazer, combinaria com os cabelos brancos e desgrenhados. Olaf tem 58 anos. Ainda que esteja mais próximo do pessimismo que pintou para si, ele não aparenta a idade que tem. Entre a ambição e o temor, o certo é que “I Wish, I Am, I Will Be” (eu desejo, eu sou, eu serei), série de autorretratos que integra a primeira mostra do holandês no país, expressa o tema central na obra do fotógrafo: a fantasia.

Desde sábado (10), o Museu da Imagem e do Som de São Paulo repassa os últimos 15 anos da carreira de Olaf, que despontou na década de 1980 com retratos em preto e branco de anões, grávidas e obesos, quase totalmente nus e em poses eróticas que insinuam dominação. Desde então, o holandês ganhou projeção tanto com trabalhos autorais sobre frustração, melancolia e tédio quanto com peças publicitárias e ensaios de moda, sem definir limites rígidos entre as áreas.

A estética das séries “Rain” (chuva) e “Keyhole” (buraco da fechadura), por exemplo, remete a catálogos de alta costura e de design de luxo. Aqui, porém, o pós-tratamento aplicado às imagens oferece ares de ficção aos ensaios. Por vezes, como na obra “Le Denier Cri” (o último grito), esses efeitos computadorizados são propositadamente exagerados, com texturas artificiais e rostos distorcidos a partir da introdução de objetos sob a pele. Olaf satiriza os excessos de cirurgias plásticas e da obsessão pelo corpo perfeito.

Mas, na maioria das séries do artista, o pós-tratamento, ainda que evidente, aparece de maneira mais sutil. Reforça somente a ideia de que tudo se torna performance na presença de uma câmera. “Quando tenho uma ideia”, conta Olaf à Folha, por telefone, “chamo meus assistentes para discutir a imagem”.

“Figurinista, produtor de objetos, maquiador, todos participam dessa etapa. E então faço croquis básicos do que vou fotografar.” Uma equipe de até dez pessoas, explica o artista, trabalha para realizar uma só fotografia. Em um escala de megalomania, o holandês fica atrás do fotógrafo americano Gregory Crewdson, cuja produções se assemelham à do cinema. Ele não deixa, contudo, de impressionar pelas cenas meticulosamente ensaiadas.

A mostra no MIS exibirá apenas uma imagem da série “Grief” (luto), uma das mais conhecidas do fotógrafo, na qual imagina reações de americanos ao assassinato do ex-presidente J. F. Kennedy, em 1963. O vestuário parece feito para o elenco de “Mad Men”, e a paleta de cores faz referência aos anos 1950 e 60. Ninguém sorri nas imagens, e cada movimento dos personagens é calculado, criando uma tensão incessante.

A angústia dos trabalhos de Olaf não aparece no jeito de falar do fotógrafo, leve e gentil —o que não representa um contrassenso, segundo ele. “Posso tomar café da manhã feliz e dormir triste, isso é a vida”, afirma. “Só quero celebrar a liberdade do corpo, da sexualidade, do indivíduo.”

Para Talita Virgínia, que assina a curadoria da mostra com Cristiane de Almeida, as discussões sobre individualidade podem ser vistas no vídeo “Separation” (separação), de 2003, no qual pessoas completamente cobertas por roupas de vinil aparecem em ações cotidianas.

“Não é possível distinguir quem é homem, mulher ou criança. Elas se unem pela prática de ações repetitivas, o que faz com que elas nem se deem conta de quem são”, diz. Ao todo, a exposição reúne 22 fotografias e dez vídeos, entre eles “Shangai”, obra inédita que emula outdoors de metrópoles. O trabalho exibe vídeos verticalizados, nos quais mulheres se dirigem ao espectador e fazem pedidos.

Olaf utiliza a linguagem publicitária, tão presente em sua obra, para mostrar os desejos dos jovens na cidade chinesa, “efervescente e ao mesmo tempo com resquícios de uma sociedade ditatorial”, explica Talita.

Havia a possibilidade de que o fotógrafo viesse ao Brasil para acompanhar a abertura da mostra. A ideia foi abortada devido ao enfisema. Questionado sobre o quanto a melancolia de suas imagens representa quem ele é, Olaf diz que “em 24 horas pode sair da tristeza profunda e entrar na mais alta felicidade”. “Hoje, no entanto, estou numa praia em Bali, fugindo do frio europeu, então vou celebrar a vida.”

ERWIN OLAF: TENSÃO
QUANDO até 8/4; de ter. a sáb., das 12h às 20h, dom. e fer., das 11h às 19h;
ONDE MIS, av. Europa, 158, tel. (11) 2117-4777
QUANTO R$ 10 (inteira)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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