Revista debate obra de fotógrafo de periferia alçado a observador histórico
Ao apontar a câmera, Afonso Pimenta quer todo mundo sorrindo. Fotógrafo do Aglomerado da Serra, periferia de Belo Horizonte, o ex-gari, segurança de prostíbulo, pedreiro e metalúrgico tem predileção por celebrações.
Em vez da imagem desgastada de desalento nas favelas, Pimenta registra, desde o início da década de 1980, batizados, aniversários, casamentos e bailes de música black. A forma de sustentar os 14 filhos, frutos de nove relacionamentos, ganhou nos últimos anos status de documentação histórica do cotidiano desses moradores das franjas da capital mineira.
Nas fotos, crianças e adultos do Aglomerado posam com altivez, junto a eletrodomésticos e vestidos elegantemente. Já os registros das festas black desfilam a moda vibrante da época.
O trabalho de Pimenta, 63, foi descoberto pelo pesquisador e artista Guilherme Cunha, 37. Durante a produção do projeto Memórias da Vila, em que entrevistou moradores do Aglomerado, uma das personagens mostrou a ele cerca de 70 monóculos com imagens de diversos profissionais, entre eles o mineiro e seu mentor, João Mendes. O achado gerou um outro projeto, Retratistas do Morro, no qual Cunha pesquisa fotógrafos que atendiam às demandas daquela comunidade entre as décadas de 1960 e 80.
Para bancar a iniciativa, criou uma campanha de financiamento online, que chamou a atenção de Thyago Nogueira, editor da ZUM, revista de fotografia do Instituto Moreira Salles. Agora, uma imagem de Pimenta, de uma noiva reencenando seu casamento em meio a barracos, estampa a capa da edição mais recente. A revista será lançada neste sábado (28), com a presença do fotógrafo, que conversará com Cunha e Ana Paula Orlandi, autora de um perfil do mineiro na ZUM.
“Afonso não construiu imagens documentais, mas biográficas, das transformações sociais e políticas de sua própria comunidade”, diz Cunha. “Essa representação não vem de um observador externo. Mostra uma dignidade que ficava restrita a classes mais altas e, assim, saímos de um apartheid simbólico”, afirma.
À Folha o fotógrafo diz que, à época, só visualizava o sustento. “Nunca pensei que um dia meu trabalho ganharia essa proporção e que conviveria com pessoas de nobre quilate.” Dos mais de 300 mil negativos que Pimenta estima ter produzido, cerca de 80 mil foram preservados em sua casa, em condições precárias.
O editor da ZUM conta que, para publicar as imagens, recorreu ao núcleo de digitalização do IMS, que fez uma recuperação parcial das fotos. A ideia era restabelecer as cores, ainda que, segundo ele, não seja possível garantir a fidelidade cromática. “Era importante preservar algumas imperfeições dos originais.”
Diferentemente de João Mendes, de quem Pimenta foi assistente, o fotógrafo não se limitou ao estúdio e “fui onde o cliente está”. Gosta do “corpo a corpo”, como ele mesmo define a abordagem. “Ele circulava com naturalidade dentro das casas e, nos bailes, mostrava uma identidade que não se via”, afirma Nogueira, editor da revista.
Lançamento da ZUM #14
IMS Paulista – Av. Paulista, 2.424, tel. 2842-9120
Neste sábado (28), às 11h30
retirar ingresso com uma hora de antecedência
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