A efemeridade do ser.

“Quando você estiver acostumado a essa coisa horrível de que eles serão lançados para sempre no passado, você sentirá gentilmente ela reviver, retornando para ocupar o lugar dela, o lugar inteiro dela, ao seu lado. No momento, isso ainda não é possível. Deixe-se inerte, espere até que o poder incompreensível … que o tenha quebrado o restaure um pouco, digo um pouco, pois daqui em diante você sempre manterá algo quebrado sobre você. Diga a si mesmo também, pois é um tipo de prazer saber que você nunca amará menos, que nunca será consolado, que se lembrará constantemente cada vez mais. ”

Imagem do projeto “Mayflies”. (Foto: Dimitra Dede)
Imagem do projeto “Mayflies”. (Foto: Dimitra Dede)

Foi com essa passagem de Marcel Proust que comecei a minha imersão no lindo trabalho da fotógrafa grega Dimitra Dede. Acho que meus olhos aguaram com esse trecho e em toda a conversa que tivemos pelo telefone na última segunda-feira, 4 de novembro. Aos seus 45 anos, ela já viveu em diferentes lugares, depois de se formar em fotografia em Atenas e trabalhar durante anos no maior e mais importante arquivo de fotografias da Grécia. Sempre buscando novas histórias e novas culturas, há 9 anos decidiu por Londres como seu lugar de abrigo e devaneios e foi lá que decidiu mergulhar em seu trabalho pessoal como sua grande potência.

“A fotografia é minha maneira de lidar com a vida e, de fato, viver. Eu a uso como uma maneira de ir mais fundo em cada problema, para trazer mais questões e para, com sorte, tentar achar as soluções. É uma forma de ter ajuda”, afirma Dede, “mas acho que sempre acabo trazendo mais questões do que soluções com cada projeto que faço.”

Dede tem uma voz doce e uma maneira de falar sobre seu trabalho que conquista a distância. Eu fui atravessada por suas imagens e pelo que estava por trás delas.

Em junho de 2015, em uma noite londrina, recebeu o pior telefonema de sua vida: “Ela morreu”, contou sua irmã sobre a mãe. “Eu voei para Atenas nas horas seguintes, mas só consegui me despedir de seu corpo gelado, tomado pela temperatura da morte. Não era mais ela. Essa experiência foi aterrorizante e esse fim foi o começo de algo pra mim.”

Dimitra, que nunca precisou das palavras para lidar com o mundo, escreveu uma carta de despedida para sua mãe, logo depois do funeral,  assim que voltou para Londres, e decidiu embarcar para os glaciais na Suíça, porque sentia que precisava experimentar esses “corpos”gelados em seu próprio corpo, de perto. Sentir essa temperatura, esse toque em sua pele era como se aproximar de sua mãe. “A natureza e a câmera são minhas raízes”.

Todo verão nos últimos 9 anos, as pessoas que vivem nos Alpes suíços, para tentar barrar um pouco do seu derretimento, envolvem uma de suas preciosas geleiras com cobertores brancos para refletir a luz do sol.

“Olhar para esses glaciais cobertos de branco, era quase como olhar o corpo da minha mãe. Eu não consigo te explicar o que senti. Só sei que era exatamente o que eu precisava e buscava depois dessa perda arrebatadora”.

Imagem do projeto “Mayflies”. (Foto: Dimitra Dede)
Imagem do projeto “Mayflies”. (Foto: Dimitra Dede)

Ela sentia os contrastes de temperaturas entre a Suiça e Londres. Enquanto os Glaciais eram a morte, os corpos quentes e afetuosos de seus 3 filhos, eram a vida latente, pulsante.

“Quando minha mãe morreu, eu senti que não existia a Terra, não existia chão sob meus pés, como se eu estivesse flutuando. Mas ao mesmo tempo, alguém sentiu isso em relação a mim. Meus filhos sentem que eu sou a terra e o chão deles para pisar”, desabafa Dede.

Imagem do projeto “Mayflies”. (Foto: Dimitra Dede)
Imagem do projeto “Mayflies”. (Foto: Dimitra Dede)

“Mayflies”, seu mais novo livro, trata do luto, da maternidade e da ausência de forma impecável e com uma delicadeza captada pela Void – criada em Outubro de 2016 em Atenas, está focada em publicações alternativas, exposições e educação, com o objetivo de participar de diferentes projetos em torno da fotografia e outras artes visuais. O livro será lançado em Paris na sexta-feira, 8 de novembro, com uma tarde de assinaturas, na feira Polycopies (que começa hoje), em Paris. Desde 2014, a Polycopies acontece em um barco no Sena, com 45 editoras participantes de todo o mundo, especializadas em livros de fotografia, se tornando um ponto de encontro e de trocas durante a Paris Photo (que começa amanhã, 7), uma das maiores feiras de fotografia do mundo. É uma delícia passar algumas tardes ali, com um drink, curtindo o outono parisiense.

Paralelo ao projeto Mayflies, Dede fez o livro “Matter Absent”: “Quando minha mãe morreu, por conta de uma doença hereditária que as vezes aparece de forma brusca e paralisa parte dos meus membros, eu senti que minha vida estava desaparecendo. Eu comecei a ser violenta com as minhas impressões fotográficas e com os meus negativos. Queria colocar essas condições da minha saúde nas minhas imagens. Queimei, risquei, rasguei, para fazer desaparecer esses corpos, esses movimentos, esse ser.”

Deu para perceber que a fotografia para ela é visceral. Carne viva.

Imagem do projeto “Matter Absent”. (Foto: Dimitra Dede)
Imagem do projeto “Matter Absent”. (Foto: Dimitra Dede)

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Photocopyes: 6 a 10 de Novembro

Barco Concorde-Atlantique, Paris
Metro: Concorde / Assemblée Nationale

Paris Photo : 7 a 10 de Novembro

Grand Palais
Avenue Winston Churchill
75008 Paris
Metro: linhas 1 e 13 – Champs-Élysées Clemenceau