A leveza do cobre e o peso do algodão na obra de Hilal Sami Hilal
Esta cidade chamarei “cadáver”
E as árvores do Cham [Síria] “pássaros tristes”
(quem sabe desses nomes nasçam flores ou canções)
A lua do deserto chamarei “palmeira”
Quem sabe a terra acorde
Para ser outra vez criança
Nada mais cantará minhas canções
Virão os dissidentes e virá a lua em sua hora…
Só ficará a loucura
Trecho do poema “Este é meu nome” de Adonis, pseudônimo do poeta sírio Ali Ahmad Said Esber.
Quando entrei na montagem da exposição do artista capixaba de origem síria Hilal Sami Hilal na galeria Marilia Razuk na última quarta-feira, 6, fui tomada pela potência dos inúmeros painéis dourados marcados por cicatrizes expostas da história de um país e de uma guerra. Trata-se da série “Alepo”, feito com uma massa de papel com fibra de algodão puro e pó de ouro.
O simpatissísimo Hilal estava lá e fomos caminhando pelas obras juntos, pontuados pelos devaneios incríveis de seus processos criativos. “Pra mim, as coisas acontecem sem pressa. Eu sou lento, sou muito devagarzinho… O tempo é preciso. Para respirar, para decantar e para maturar”, afirma o artista.
Seu pai, Seu Sami, imigrante sírio, faleceu quando Hilal tinha 12 anos e a ausência foi sempre algo que o acompanhou. Faz parte de seu trabalho lidar com o vazio, com o silêncio e com uma ausência que está incrustada em sua pele, em seu ser. “Tento não fazer disso o tema principal, mas está ali. Faz parte da maneira como lido com o meu processo”. Está tudo ali, nas nuances, nos detalhes, na escolha do material, do tempo da obra acontecer.
Ele visitou a terra de seu pai em 1995 e 1997, enquanto Alepo ainda vibrava, longe da guerra da Síria, que desconfiguraria o país no mapa mundi. Mas há apenas dois anos que esse trabalho começou a tomar forma.
“Eu não queria trazer o sangue, puramente o sangue para falar da guerra, da dor. Eu queria fazer uma relação do ouro, por trazer essa referência do mundo árabe, com a tragédia. O ouro representando o patrimônio e mostrar a invasão desse patrimônio. O ouro sendo violentado”.
Para criar essas paisagens cheias de feridas que lembram as fachadas dos edifícios destruídos, crivados de balas durante a guerra, ele cria uma matriz. Feita no chão de seu ateliê, em Vitória, capital capixaba, com ladrilhos, madeira, plásticos e arames que ele machuca, quebra e rasga. “Tem um ar teatral nesse processo todo. É construído, pensado. Mas quando jogo a massa de papel por cima e espero secar e retiro, é o acaso que acontece.” Em seu trabalho, mesmo quando há a parte controlada, há um devir incontrolável. Cada peça é única e impactante.
Os machucados que ele constrói são impressionantes e me remetem diretamente a esses territórios marcados pela história do Oriente Médio, mas poderia falar de inúmeras regiões atingidas por conflitos sócio-econômico-políticos do mundo. As marcas, as dores, as ausências, as angústias… Está tudo nessas obras. Sente-se a violência.
“Eu gosto muito de usar o algodão nesse trabalho e poder associar isso com a tragédia, pois ele me remete a cura, ao curativo, a gaze dos hospitais”, reflete Hilal, manuseando suas obras nas paredes da galeria.
Hilal iniciou sua trajetória na arte nos anos 1970, com o desenho e aquarela, mas se aprofundou em técnicas japonesas de confecção de papel, fazendo de sua matéria prima principal, ao qual, nos anos seguintes, juntou com o cobre, fininho fininho, que se parece mesmo com um tecido, os dois com a mesma fragilidade. A referência arabesca é perceptível em quase todas suas obras. Esses rendados de cobre, com as frases de Bob Dylan: ” – Tudo bem, meu filho? – Tudo bem, mamãe (só estou sangrando)” colocadas, repetidamente, como um mantra nessas superfícies de cobre deliberadamente oxidadas são o fio condutor dessa exposição. A obra principal conta com 5 peças independentes de 150×150 cm, que juntas compõem um grande painel de 4,5m em formato de um grande “curativo”. Outros trabalhos de dimensões menores surgem a partir de pedaços destes por todo a exposição.
“Cassiana, balança a obra pra você sentir a vibração dela”. É, de fato é incrível poder sentir e ouvir uma obra de arte, Hilal. De fato, muitas de suas obras funcionam como uma joia nas mãos.
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Abertura:
Hilal Sami Hilal, Tudo bem – abertura, amanhã, dia 9 de novembro, em horário especial do Art Weekend SP: das 11h às 20h
Rua Jerônimo da Veiga 131 – Itaim Bibi
Período expositivo:
de 11 de Novembro de 2019 até 30 de Janeiro de 2020
Horário de funcionamento:
segunda a sexta-feira, das 10h30 às 19h / sábado, das 11h às 16h
A Art Weekend, circuito de três dias de arte da cidade de São Paulo, chega à sua 4ª edição. A maratona de 8 a 10 de novembro envolve palestras, talks, exposições, performances e visitas guiadas a galerias de arte. A programação acontece pelas regiões do Centro, Pinheiros, Vila Madalena, Itaim e Jardins.