A leveza do cobre e o peso do algodão na obra de Hilal Sami Hilal

Esta cidade chamarei “cadáver”

E as árvores do Cham [Síria] “pássaros tristes”

(quem sabe desses nomes nasçam flores ou canções)

A lua do deserto chamarei “palmeira”

Quem sabe a terra acorde

Para ser outra vez criança

Nada mais cantará minhas canções

Virão os dissidentes e virá a lua em sua hora…

Só ficará a loucura

Trecho do poema “Este é meu nome” de Adonis, pseudônimo do poeta sírio Ali Ahmad Said Esber.

Hilal Sami Hilal – Sem título, da série Alepo #7, 2019, 250 x 300 cm.

Quando entrei na montagem da exposição do artista capixaba de origem síria Hilal Sami Hilal na galeria Marilia Razuk na última quarta-feira, 6, fui tomada pela potência dos inúmeros painéis dourados marcados por cicatrizes expostas da história de um país e de uma guerra. Trata-se da série “Alepo”, feito com uma massa de papel com fibra de algodão puro e pó de ouro.

Hilal Sami Hilal – Sem título, da série Alepo #2, 2019, 150 x 150 cm.

O simpatissísimo  Hilal estava lá e fomos caminhando pelas obras juntos, pontuados pelos devaneios incríveis de seus processos criativos. “Pra mim, as coisas acontecem sem pressa. Eu sou lento, sou muito devagarzinho… O tempo é preciso. Para respirar, para decantar e para maturar”, afirma o artista.

Seu pai, Seu Sami, imigrante sírio, faleceu quando Hilal tinha 12 anos e a ausência foi sempre algo que o acompanhou. Faz parte de seu trabalho lidar com o vazio, com o silêncio e com uma ausência que está incrustada em sua pele, em seu ser. “Tento não fazer disso o tema principal, mas está ali. Faz parte da maneira como lido com o meu processo”. Está tudo ali, nas nuances, nos detalhes, na escolha do material, do tempo da obra acontecer.

Ele visitou a terra de seu pai em 1995 e 1997, enquanto Alepo ainda vibrava, longe da guerra da Síria, que desconfiguraria o país no mapa mundi. Mas há apenas dois anos que esse trabalho começou a tomar forma.

“Eu não queria trazer o sangue, puramente o sangue para falar da guerra, da dor. Eu queria fazer uma relação do ouro, por trazer essa referência do mundo árabe, com a tragédia. O ouro representando o patrimônio e mostrar a invasão desse patrimônio. O ouro sendo violentado”.

                      Hilal Sami Hilal – Sem título, da série Alepo #5, 2019, 150 x 150 cm. 

 

Para criar essas paisagens cheias de feridas que lembram as fachadas dos edifícios destruídos, crivados de balas durante a guerra, ele cria uma matriz. Feita no chão de seu ateliê, em Vitória, capital capixaba, com ladrilhos, madeira, plásticos e arames que ele machuca, quebra e rasga. “Tem um ar teatral nesse processo todo. É construído, pensado. Mas quando jogo a massa de papel por cima e espero secar e retiro, é o acaso que acontece.”  Em seu trabalho, mesmo quando há a parte controlada, há um devir incontrolável. Cada peça é única e impactante.

Os machucados que ele constrói são impressionantes e me remetem diretamente a esses territórios marcados pela história do Oriente Médio, mas poderia falar de inúmeras regiões atingidas por conflitos sócio-econômico-políticos do mundo. As marcas, as dores, as ausências, as angústias… Está tudo nessas obras. Sente-se a violência.

Hilal Sami Hilal – Sem título, da série Tudo Bem, 2019

“Eu gosto muito de usar o algodão nesse trabalho e poder associar isso com a tragédia, pois ele me remete a cura, ao curativo, a gaze dos hospitais”, reflete Hilal, manuseando suas obras nas paredes da galeria.

Hilal iniciou sua trajetória na arte nos anos 1970, com o desenho e aquarela, mas se aprofundou em técnicas japonesas de confecção de papel, fazendo de sua matéria prima principal, ao qual, nos anos seguintes, juntou com o cobre, fininho fininho, que se parece mesmo com um tecido, os dois com a mesma fragilidade. A referência arabesca é perceptível em quase todas suas obras. Esses rendados de cobre, com as frases de Bob Dylan: ” – Tudo bem, meu filho? – Tudo bem, mamãe (só estou sangrando)” colocadas, repetidamente, como um mantra nessas superfícies de cobre deliberadamente oxidadas são o fio condutor dessa exposição. A obra principal conta com 5 peças independentes de 150×150 cm, que juntas compõem um grande painel de 4,5m em formato de um grande “curativo”. Outros trabalhos de dimensões menores surgem a partir de pedaços destes por todo a exposição.

Hilal Sami Hilal –  Sem título, 2019, 60 x 108 cm 

“Cassiana, balança a obra pra você sentir a vibração dela”. É, de fato é incrível poder sentir e ouvir uma obra de arte, Hilal. De fato, muitas de suas obras funcionam como uma joia nas mãos.

Hilal Sami Hilal – sem título, 36 x 29 cm.

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Abertura: 

Hilal Sami Hilal, Tudo bem – abertura, amanhã, dia 9 de novembro, em horário especial do Art Weekend SP: das 11h às 20h

Rua Jerônimo da Veiga 131 – Itaim Bibi

Período expositivo: 

de 11 de Novembro de 2019 até 30 de Janeiro de 2020

Horário de funcionamento: 

segunda a sexta-feira, das 10h30 às 19h / sábado, das 11h às 16h

 

A Art Weekend, circuito de três dias de arte da cidade de São Paulo, chega à sua 4ª edição. A maratona de 8 a 10 de novembro envolve palestras, talks, exposições, performances e visitas guiadas a galerias de arte. A programação acontece pelas regiões do Centro, Pinheiros, Vila Madalena, Itaim e Jardins.