As teias da vida de Chiharu Shiota
No último domingo, 10, passei algumas horas da manhã entre as linhas da vida da maravilhosa artista de Osaka, Chiharu Shiota, no CCBB. Ela está em São Paulo para abrir duas exposições amanhã, 13 de novembro, “Linhas da Vida” no Centro Cultural Banco do Brasil e a site specific “Linha Interna” na Japan House.
Com cerca de 70 obras, entre seus vermelhos vibrantes e as páginas em branco da sua mais nova e inédita instalação “Além da memória” feita para conversar com o prédio tombado do CCBB, sua arte trata das questões mais delicadas e profundas da vida. A memória, suas emoções e sua própria experiência pessoal são os fios condutores de suas obras, conhecidas principalmente por seus emaranhados de linhas em grande escala. Na maioria de seus trabalhos, os fios formam teias tridimensionais, fazendo com que tudo, no fim, se conecte.
Em uma das obras, que se esparrama por todos os andares com seus 13 metros de altura, composta por mais de mil folhas de papel em branco, Shiota convida o público a idealizar sua própria história e resguardar sua memória. Reflete sobre a igualdade entre os seres humanos, eliminando as diferenças e deixando que todos possam contar e imaginar seus antigos e futuros capítulos da vida, trazendo os destinos à tona… “Quero unir as pessoas no Brasil, não importando sua origem, status social, formação educacional, nacionalidade ou qualquer outro fator divisor. Como humanos, devemos vir juntos e questionar o nosso propósito na vida e por que aqui estamos”, reflete a artista.
Shiota trata da vida, da morte e dos laços afetivos de forma primorosa. Suas obras chegam aos nossos olhos e nos provocam reticências ao falar da presença na ausência e dos processos transitórios da humanidade,ressignificando os objetos do cotidiano, como sapatos, chaves, vestidos, cadeiras…
Como na 56ª Bienal de Veneza, representando o Japão no pavilhão do país, sua obra era um barco entre infinitas linhas vermelhas com 180 mil chaves penduradas por todo o espaço. “Para ela, o barco não representa um meio de transporte, mas duas mãos em forma de concha prontas para receber algo, mostrando a confiança de alguém ao entregar a chave de sua casa para o outro” pontua Tereza de Arruda, curadora da exposição (que tem um acompanhamento contínuo da produção de Chiharu Shiota nos últimos 10 anos e foi curadora de diversas exposições da artista). Essa casa de que Arruda fala abriga tantos devaneios, histórias e frustrações de um ser humano, como já dizia Gaston Bachelard. A lã vermelha usada para montar a trama que emaranha os barcos simboliza os vasos sanguíneos do corpo e conecta a multidão aos proprietários das chaves.
“The key in the hand”, Bienal de Veneza, 2015. (Foto: Sunhi Mang)Em suas obras as portas e as janelas são frequentes e remetem a esse momento de transição o qual ela estava vivendo, saindo do Japão e migrando para a Alemanha, se apropriando desses elementos tão simbólicos de prédios que estavam em construção. Para ela, as portas e as janelas são sempre fronteiras entre dois espaços e que, ao passar por um deles, como portais, há um novo mundo. Por essas questões ancestrais e por viver há 20 anos fora de sua terra natal, cada volta ao país é uma experiência diferente.
Chiraru chegou ontem mesmo, 11, de Berlim e se encontrou com Tereza, passando na Japan House para checar a montagem e, logo na sequência, para pontuar os últimos ajustes no CCBB. Ela, com seu olhar tímido e sua voz baixa refletia com a curadora sobre as obras caminhando pelos andares do prédio, onde caminhei junto com elas. Não posso dizer que entendia tudo o que falavam, porque era alemão a base da comunicação… mas poder caminhar com Shiota por entre suas memórias em forma de arte, entre sonhos e realidade, passado e presente, confronto e ansiedade… foi maravilhoso!
Ela iniciou sua carreira artística em 1994 com a pintura e depois descobriu que relacionar sua obra com o espaço fazia parte do que ela buscava. Ainda na faculdade, fez um intercâmbio na Austrália. “Foi lá que ela iniciou as performances, as instalações. Foi lá que ela sentiu um distanciamento maior das convenções que a norteavam desde o início”, me conta a curadora enquanto caminhávamos pelo segundo andar da exposição. “Samuel, por enquanto a Chiharu está adorando tudo”, afirma ela para um dos arquitetos envolvidos na montagem. “Estava todo mundo apreensivo com a chegada dela aqui, e esperando as aprovações” me confessa. Mas parece que está tudo indo bem, enquanto os últimos ajustes finos são feitos.
No subsolo, a obra “Dois barcos, um destino” faz uma analogia sobre as formas do viajar, seguir adiante, sem saber qual será o ponto final, o desfecho de uma história, assim como no percurso da vida. Segundo a artista, o que mais importa é a trajetória dos sonhos e das esperanças de cada um, simbolizados pelos barcos como portadores dessa jornada incerta.
Seguimos, assim, na trajetória da vida, deixando os corações pulsarem e carregando em nossas peles experiências e histórias vividas, sentidas e, de alguma maneira, prontas para múltiplos devaneios nessas páginas em branco. A esperança é que algum dia nossos fios invisíveis se entrelacem com os de outra pessoa e a caminhada continue, neste Brasil de tantas linhas invisíveis navegando, como seus barcos…
No dia 13 de novembro, às 14h, a curadora Tereza de Arruda conversa com o público sobre a exposição no CCBB, com entrada franca mediante retirada de senha a partir de 1 hora antes do início do evento. Sujeito à lotação.