A poeira cósmica da cubana Glenda León

“Cuerpos Celestes”, 2018.
Cassiana Der Haroutiounian

Conheci o trabalho da artista plástica cubana Glenda León na Feira Arco, em Madrid, no começo de 2016 e me apaixonei. Suas obras estão nas coleções permanentes de Centre Georges Pompidou, Museu de Belas Artes de Montreal, Museu Nacional de Belas Artes de La Habana e Museu de Belas Artes de Houston, dentre outros.

Ela, que vive entre Havana e a capital espanhola, é dona de uma rara delicadeza para lidar com as imagens e com as palavras ao mesmo tempo. Os títulos de suas obras são igualmente obras de arte.

“Escuchando las estrellas II”, 2012. Uma fotografia de uma noite estrelada serviu como partitura para construir uma caixa de músicas, transformando as estrelas em notas musicais.

“Muitas vezes penso nas imagens e logo busco o título e para mim isso é mais pesado porque sou muito exigente. Para mim, 50% da obra é o título. Ele funciona como um guia para revelar a intenção da obra e poder mergulhar nela de uma outra maneira” afirma a artista, com quem bati um papo pelo telefone na última terça-feira, 12 de novembro.

“Las formas del instante”, 2000, 100 x 300 cm.

Foram tantos devaneios que dava até vontade de estar por uma dessas ruas madrilenas com um vinho na mão, desvendando suas obras e suas palavras, que tem como referências Rainer Maria Rilke, Gaston Bachelard, Henri Bergson e Ramón Gomes de la Serna.

Glenda León acredita em uma arte que atua como um alarme para caminhar mais consciente pelo mundo e nos permita vê-lo como se fosse a primeira vez, com o olhar privilegiado de uma criança. Tornar perceptível o imperceptível, trazer o interstício entre o visível e o invisível, entre som e silêncio, entre a semelhança e a diferença, entre efêmero e eterno. “Como a mágica, a arte é um ato de transformação, que pode ser tão simples quanto fazer acontecer uma coincidência”.

“Mundo masticado”, 2008, 12×17 cm.

Suas criações de vídeo, instalações, intervenções públicas e fotografias trazem uma bagagem da academia de artes plásticas e do balé clássico, cursados por ela desde os 12 anos de idade em Havana.  Essas relações e questões que permeiam esses universos são latentes em suas obras. Ela afirma que a dança tem forte influência em seu trabalho até hoje: “Vejo as obras como algo gestual. O movimento que foi. O rastro”. Publicou uma tese na universidade que discutia as características essenciais da arte como performance: “A atitude do público interagindo com uma obra de arte. Uma espécie de atuação do público com a obra é uma performance. Outra parte da tese era a atuação dos próprios objetos. Alguns com uma alma própria”, defende ela.

A dança sem a música não existe, segundo León. “A dança é como uma materialização da música. E quando tem música, tem sempre silêncio. E esses elementos sonoros provocam o verbo escutar na gente”. E todas essas definições de silêncio e música são muito poderosas em suas obras. Ela trabalha em diversas séries com as linhas vazias das partituras musicais e trata da ausência sonora com uma beleza musical. Suas obras atingem uma melodia única, que te atravessa. Como em uma de suas obras onde partituras estão rasgadas, amassadas, em pedaços, ela usa outros mecanismos ao invés do lápis e do pincel para pintar e preencher o espaço. “Tudo está muito potente no gesto de romper a partitura. Você não vê a ação, mas vê o rastro”.

“Silencio interrumpido” da série “Silencios viejos”, 2012, 40 x 33 cm.

O silêncio também fala do tempo em suas obras, destacando frequentemente a loucura da cronometragem humana: “O tempo é o hiato que existe quando você mescla duas coisas já existentes. A intersecção de duas coisas que ainda não tem nome, é o intervalo de duas coisas. O espaço entre é o que me encanta. Me interessa o silêncio para poder escutar. Escutar a nós mesmos. Se não nos escutamos, não nos conhecemos e somos infelizes.”

León traz aprendizados do budismo, mas odeia qualquer forma de militância de qualquer aspecto. Acredita que os exageros engessam qualquer ação com o mundo. Por exemplo, sobre o feminismo: “Não provoco o feminino nos meus trabalhos. Não de forma consciente. Mas eu sou mulher e simplesmente por isso minha obra atinge um outro lugar, tem uma delicadeza que o feminino abraça.”

“Nunca fui feminista na vida, mas esse movimento todo dos últimos anos me abriu os olhos. Ainda mais sendo cubana, todas essas discussões me trouxeram uma consciência maior para o que as mulheres cubanas aceitam como um comportamento natural dos homens. Cuba está muito atrasada com esse tema. Está tão atrasada que a gente nem vê”. Ela acredita que a força e a busca do feminismo não é se assemelhar ao homem, mas de ver as diferenças da mulher. “O homem não domina essa sutileza do nosso entorno. A gente tinha que feminilizar o mundo… A guerra é uma coisa masculina… As divisões políticas são masculinas.”

“Cada lágrima es una forma del tiempo”, 2018, 55 x 76 cm

Para Glenda León, a evolução do mundo está em ver as semelhanças dos seres humanos ao invés de olhar apenas para o que divide os homens. Dissolver as diferenças, ficar com a essência da humanidade e com a geografia. “Está tudo unido no continente e as linhas políticas e religiosas são todas imaginadas, criadas, inventadas”. Em sua série “Formas de salvar o mundo”, a obra n. 10 tem fronteiras políticas desenhadas a caneta dentro do mapa e podem ser apagadas pelos espectadores.

“Forma de salvar el mundo n.10 (Borra las fronteras) “, 2013

A maioria de suas obras são autobiográficas e partem de experiências específicas espirituais, de contato com a natureza e da potência do escutar.

Seu mais novo trabalho, “Mecânica Celeste”, que participará da Bienal de Havana, faz parte de sua exposição individual na Galeria Senda, em Barcelona, com a vernissage na última sexta-feira, 15 de novembro. A obra traz uma visão holística do Universo. Ela se apropriou de borboletas – que já haviam perdido naturalmente suas vidas – compradas em uma loja na Inglaterra e transformou suas asas de diferentes cores em pigmentos, em pó coloridos – que se parecem com pequenos cristais – e usou como tinta para pintar o cosmos e suas estrelas. “Usar o pó das asas de um ser tão frágil para representar a grandiosidade das galáxias é precioso. São paisagens cósmicas. Poder fazer do mínimo, o macrocosmos, o infinito” me diz a artista, que faz referência ao livro “Caibalion” em nossa conversa, sobre as forças e as semelhanças céu e da terra.

“Cuerpos Celestes”, 2018

A imensidão representada pelas asas desses seres de tanta leveza se converte em um espaço que podemos olhar para reencontrar ou lembrar da beleza infinita que está ao nosso redor e que, por inúmeras razões da vida, passa desapercebida. Glenda tem esse poder, de usar as diferentes formas de suportes na arte para despertar-nos para o que poderia ser – mas não é – banal na humanidade.

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