O Sujeito Coletivo Mulher, de Gretta Sarfaty, no IAB e Central Galeria

“Body Works”, 1976.
Cassiana Der Haroutiounian

O número 306 da Rua Bento Freitas, em São Paulo, recebe uma dobradinha das obras de Gretta Sarfaty.  A artista conhecida por  registrar permanentemente seu corpo e seu estado psíquico, utilizando pintura, papel, desenhos, fotografias, performances está com duas individuais: No IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil –  e na Central Galeria.

Ela nasceu em 1947, em Atenas e, aos 7 anos, se mudou com toda família – judia conservadora– para São Paulo, se naturalizando brasileira. Aos 17 anos Gretta decidiu se casar, para poder conquistar também sua liberdade e independência.

Nos anos 1970, ela iniciou sua carreira artística, parindo uma obra intensa e que quebrou tantas barreiras, em um Brasil pautado pela ditadura militar, onde cresciam  as lutas de gênero e libertação sexual, fazendo parte de exposições importantes no Centre Georges Pompidou, Le Bal, MAC/USP, MAM/SP, MASP, Pinacoteca do Estado de São Paulo, MoMA, Bienal de São Paulo, dentre outros, com obras onde usa corpo como território de transformação e paisagem.

“A woman’s diary”, 1977.

De 1967 até 2016, Gretta se dividiu entre Brasil, Europa e Nova Iorque, onde vivia uma realidade paralela à sua juventude oprimida. Suas inquietações com o corpo feminino, a vontade de transformá-lo em um território e seus deslocamentos pelo mundo geraram um distanciamento de toda a família, que foi totalmente contrária à sua participação tão jovem no circuito das artes plásticas, trazendo sua intimidade à tona.

Sempre colocada no papel de “mulher bonita”, Gretta teve muita dificuldade de ser levada a sério no mundo da arte. A partir de 1976,  dedicou-se a autorretratos distorcidos a fim de provocar inquietações relacionadas a estereótipos de beleza e feminilidade sugeridos pela sociedade. Seu rosto se desconecta da beleza e atinge uma imagem quase grotesca. Ela tenta trazer, com essas séries, a conexão com sua própria identidade, utilizando o corpo como um lugar de fala. Um espaço para experimentações artísticas e políticas.

“Body works II”, 1976.

A escritora feminista norte-americana Naomi Wolf reflete, em seu livro “O mito da beleza”:”[…] nivelando o que é feminino em beleza-sem-inteligência ou inteligência-sem-beleza. É permitido às mulheres uma mente ou um corpo, mas não os dois ao mesmo tempo”. Imagine para Greta nos anos 1970…

No subsolo do edifício, a mostra “Dos nossos espaços vazios internos”, na Central Galeria, estão documentados esses autorretratos e performances de 1973 a 1981, entre elas: “A woman’s diary”, “Evocative Recollections”, “Metamorphic Recollections”, nas quais ela investiga a representação do corpo feminino na arte.

“A obra de Gretta Sarfaty transborda as narrativas da subjetividade do ser mulher enquanto sujeito político coletivo, inventado para atravessar problemáticas identitárias e ampliar os limites daquilo que se espera da nossa existência”, pontua Catarina Duncan, curadora da mostra.

No andar superior, no IAB,  estão imagens bem diferentes da Gretta dos anos 70,  que trazem a intimidade familiar, situações triviais e a reconexão após essas quase três décadas de afastamento na exposição “Reconciliações”.  Nessas fotografias com inúmeras interferências digitais, a artista reflete sobre seu lugar de origem e sobre esse lugar que ocupa na família.  “Nesses trabalhos emergem o afeto, expressão relevante e substantiva de sua poética atual […] Agora o corpo precisa do outro, já não se expressa sozinho. Afinal, o tema é reconciliação, coparticipação, compartilhamento”, pontua Fábio Magalhães, também curador.

“Reconciliações”, 2019.

 

“Reconciliações II”, 2019.

Para Gretta, seu processo artístico “[…] era uma procura de identidade e de dizer quem eu era, me assumir como mulher, sem o estereótipo, eu queria me encontrar […]”. Não se pode definir uma identidade comum para todas as mulheres. Ser mulher não é tudo o que a pessoa é; o gênero não necessariamente tem coerência e consistência; ser mulher não é o suficiente para compartilhar um contexto; identidades não podem ser fixas; somos um sistema aberto que inspira um sentimento de expansão e multiplicidade, resistência e subversão.” Nas palavras da artista, o que interessa é “ser obra aberta aos avessos”.

Gretta sugere, em suas fotografias, um novo olhar. Um olhar para o próprio corpo um olhar coisificado do outro sobre o corpo-mulher, criando outros roteiros para a conceituação do corpo feminino. Esse resgate da força feminina no corpo como um lugar de ações transformadoras sociais é fundamental para a trajetória que já percorremos e que ainda vamos percorrer. Sujeito coletivo mulher acontece junto. Ultrapassa as diferenças, na igualdade de ser mulher.

Reconciliações

IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil – Rua Bento Freitas, 306, Vila Buarque – São Paulo.

1/12 a 24/1/2020.

Dos nossos espaços vazios internos

Central Galeria – Rua Bento Freitas, 306, Vila Buarque – São Paulo.

21/11 a 2/02/2020