Os batimentos cardíacos da terra, da holandesa Birgitta de Vos
Birgitta de Vos é uma dessas artistas de fala mansa e cheia de pausas, assim como suas imagens, que retratam o mundo com delicadeza. A holandesa, que trabalha em um estúdio no interior dos Países Baixos, mora em um barco de carga convertido em casa em Amsterdã, batizado de “The Iron lady” em homenagem ao seu enorme casco enferrujado.
Conheci seu trabalho em uma visita a sede da revista Kinfolk, em Copenhagen, em outubro. 60 frascos de vidro cheios de pedras, pigmentos e fragmentos da natureza de inúmeras regiões do mundo, organizados perfeitamente sobre uma mesa no meio da galeria, no centro da capital dinamarquesa.
Para ela, tudo, todos e todo momento têm uma razão única de ser. Sua arte não se separa de sua vida. Uma coisa permeia a outra. Suas buscas pessoais se tornam seus trabalhos e vice-versa. Vos passou pela escola de artes plásticas em Amsterdã, pelo Design e pela moda. Sempre inquieta e com a paixão de ir atrás de mundos ainda pouco desbravados, . Segundo de Vos, foi só quando ela parou de olhar para fora e entrou no campo do não-saber, que ela percebeu que a razão de ser e mudar não vem de fora, mas de dentro. Isso está impresso, cravado em seu trabalho, que rodou o mundo em publicações de diferentes países, numa tentativa de explorar diferentes recepções à sua arte.
Em sua busca espiritual, Vos viajou do Ocidente ao Oriente, para encontrar diversos líderes espirituais. “Aprendi a ouvir o vento e, acima de tudo, a sincronizar com os batimentos cardíacos da terra”. Birgitta e a natureza mantêm um diálogo harmonioso e bonito. Sim, bonito mesmo.
“Minhas peças mais queridas são aquelas em que estou menos presente. A alma fala e é mais visível no justo ser das coisas, pessoas e lugares”.
Essas árvores, penas, pedras, têxteis, pigmentos, metais, areia e terra encontram seu caminho e ela os apreende. Existe um prestar atenção ao nosso entorno, a escutar o silêncio em suas obras.
“Nós, como humanos, de fato perdemos nossa conexão com a terra. Devemos ouvir novamente as batidas desse coração terroso”, afirma a artista, que coleta fragmentos de terras de diferentes lugares, agrupando esses mundos em seu estúdio, recriando outras conexões entre esses territórios. Ela desconecta essa terra de seu habitat natural para poder conectá-la novamente, trazendo uma diferente potência de acontecimentos e de encontros entre elas. Em uma mesma peça, pode haver um pigmento da África e areia da Espanha.
” Vejo todos esses fragmentos de mundo como uma unidade. As fronteiras todas estão apenas em nossas mentes. Nós como seres humanos, criamos essas barreiras de bom/mau, possível/negativo, meu/seu… A terra simplesmente é. E nós também podemos ser se não nos identificarmos com nossos pensamentos, opiniões, crenças…”, devaneia a artista.
As capas de seus livros são artesanais, com edições limitadas. Com eles, Birgitta deseja acordar as pessoas de alguma forma. O seu terceiro livro, Omnipresente/ Além das fronteiras, trata de como vemos o mundo ao nosso redor e os tantos pensamentos que temos, que precisamos cuidar dele de alguma forma. “Mas precisamos cuidar de nós mesmos. O mundo se cuidaria bem se não abusássemos dele. Nós temos que mudar. Não a Terra.”
Para ela, a Terra não é algo fora de nós. Está dentro de nós. Nós somos a Terra. Ser humano significa que estamos sempre distraídos e perdidos na matéria e na dualidade. “É preciso estar em estado de alerta e ciente de quem somos. Além das ilusões e identificações”, afirma a artista.
Com essa mentalidade de conexão cósmica, terrena e individual, e na busca de um autoconhecimento incessante, ela deixa que os batimentos cardíacos dela se misturem com os do entorno, encontrando-se em imagens potentes, que misturam visões próximas e distantes, provocando essa reflexão sobre a necessidade que as vezes temos nos afastar das coisas para poder enxerga-las e encontrar a sua beleza, sua essência.
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