A migração pela Arte Contemporânea
“Você só corre para a fronteira quando vê os outros correndo”. Trecho do poema “Home” da poeta somali-britânica Warsaw Shire (o poema na íntegra está no final da página).
Deslocamento. Deslocar-se. Ser transferido. Migrar. Atravessar o mar. Cruzar montanhas. Encarar (ou não) a fronteira. Deixar o abrigo, sua redoma de sonhos. Ser obrigado a deixar uma história do outro lado. Começar de novo, do zero. No plural ou no singular. Com luto. Com dor. Com medo. Com sangue.
Em 2019, a chamada “crise dos refugiados” se acentuou em todo o planeta. São quase 71 milhões de pessoas que tentam se refugiar em outro país que não o de seu nascimento, segundo a Acnur – Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Pessoas de todos os cantos espalhadas por todos os lados. Com pautas políticas de uma direita xenófoba cada vez mais tomando conta do mundo, é essencial que busquemos todas as formas de comunicação, além da mídias convencionais,para dar voz a esses processos migratórios. Somos inundados, diariamente, com relatos de conflitos, mas raramente eles se relacionam com nossas sensibilidades artísticas.
Com esse crescente infinito, artistas de todo o mundo respondem à migração e deslocamento em obras que vão de relatos pessoais a devaneios poéticos. As Bienais e diferentes instituições de Arte estão ecoando questões sobre a situação dos imigrantes e a xenofobia. A Documenta – exibição quinquenal de arte contemporânea – de 2017, que teve pela segunda vez na história duas sedes: Kassel, na Alemanha e Atenas, na Grécia, trouxe isso à tona.
Desde sempre, esses temas me intrigam, e são parte da minha busca dentro das artes plásticas. Ano passado, passei um tempo em Lisboa e achei na livraria Under the Cover , a mais fofa da cidade, em frente à Fundação Calouste Gulbenkian, uma revista ainda em sua primeira edição chamada Contra, baseada em Londres. Como uma publicação anual, traz a interação entre as artes visuais e conflitos geopolíticos e econômicos pelo mundo. Com fortes motivações sociais e políticas, informa sobre o assunto de uma nova maneira, além do fotojornalismo e das manchetes nos jornais, fornecendo uma plataforma para uma variedade de artistas e criadores que se posicionaram em relação a conflitos.
A arte tem um papel significativo em estimular o ativismo e ajudar as pessoas a processar traumas por meio do ato de criação ou consumo. Movimentos políticos e ativismos trabalham lado a lado com a arte e a cultura visual na criação de mudanças.
Displacement, A primeira edição,de 2018, explora o assunto por meio dede uma infinidade de vozes e fontes, com ênfase nas respostas visuais àmigração atual e passada, entre ensaios fotográficos e literários de grandes nomes. Uma plataforma que comunica histórias e defende vozes inéditas e marginalizadas.
As vezes, sempre parece que os conflitos estão do lado de lá. Mas estão por todos os lados. De diferentes maneiras, certo?! Na Europa, a guerra da Síria, os barcos abarrotados de seres humanos morrendo pelo caminho, os refugiados da Líbia… No Líbano, os campos de refugiados palestinos… Na Venezuela, as migrações em massa. No México e suas fronteiras onde crianças são separadas das mães. No Brasil de Marielle, da menina Ágatha,das centenas de tiros disparados pelo Exército contra um músico e sua família, da chacina no morro do Fallet, de Paraisópolis…
As imagens têm a capacidade de chamar nossa atenção, capturar nossa imaginação e mudar nossas opiniões. Eles nos permitem sonhar com futuros alternativos e nos estimulam a agir para tornar essas idéias realidade. A cultura visual não pode salvar o mundo por si só, mas pode iniciar a conversa. O que os artistas esperam é produzir conteúdo e reflexões mais lentas, que precisam de um tempo dilatado, espaçado e considerado. Sem dúvida, parece algo utópico, mas é com a esperança e o engajamento de que cada indivíduo possa sentir-se parte de uma comunidade, com o mesmo objetivo: acreditar que tudo pode mudar. E pode. Essa força de comunidade, trás a força e coragem para que órgãos políticos façam alguma coisa. Com o respeito que o ser humano merece.
Poema:
Home
no one leaves home unless
home is the mouth of a shark
you only run for the border
when you see the whole city running as well
your neighbors running faster than you
breath bloody in their throats
the boy you went to school with
who kissed you dizzy behind the old tin factory
is holding a gun bigger than his body
you only leave home
when home won’t let you stay.
no one leaves home unless home chases you
fire under feet
hot blood in your belly
it’s not something you ever thought of doing
until the blade burnt threats into
your neck
and even then you carried the anthem under
your breath
only tearing up your passport in an airport toilet
sobbing as each mouthful of paper
made it clear that you wouldn’t be going back.
you have to understand,
that no one puts their children in a boat
unless the water is safer than the land
no one burns their palms
under trains
beneath carriages
no one spends days and nights in the stomach of a truck
feeding on newspaper unless the miles travelled
means something more than journey.
no one crawls under fences
no one wants to be beaten
pitied
no one chooses refugee camps
or strip searches where your
body is left aching
or prison,
because prison is safer
than a city of fire
and one prison guard
in the night
is better than a truckload
of men who look like your father
no one could take it
no onecould stomach it
no one skin would be tough enough
the
go home blacks
refugees
dirty immigrants
asylum seekers
sucking our country dry
niggers with their hands out
they smell strange
savage
messed up their country and now they want
to mess ours up
how do the words
the dirty looks
roll off your backs
maybe because the blow is softer
than a limb torn off
or the words are more tender
than fourteen men between
your legs
or the insults are easier
to swallow
than rubble
than bone
than your child body
in pieces.
i want to go home,
but home is the mouth of a shark
home is the barrel of the gun
and no one would leave home
unless home chased you to the shore
unless home told you
to quicken your legs
leave your clothes behind
crawl through the desert
wade through the oceans
drown
save
be hunger
beg
forget pride
your survival is more important
no one leaves home until home is a sweaty voice in your ear
saying-
leave,
run away from me now
Idon’tknow what I’vebecome
but Iknow that anywhere
is safer than here