Residência artística na Amazônia: a cultura como uma estratégia urgente para coexistir com o meio ambiente

Pensar na Amazônia como um lugar de imersão, de pesquisa e de desenvolvimento de um projeto artístico na maior floresta tropical do mundo de um jeito totalmente único e profundo, com cientistas e especialistas em diferentes temas ligados à ecologia é o que o LabVerde propõe com sua diferenciada residência artística de 10 dias em campo, que ocorre desde 2013. Uma parceria entre o coletivo Manifesta Arte e Cultura e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Para a idealizadora e curadora do projeto, Lilian Fraiji, falar desse organismo chamado Amazônia que molda toda a matéria é abordar a transmutação radical da natureza e de nós como parte dela. A ecologia como um estudo da casa natureza que habitamos e todas suas complexidades são temas do programa de residência, que recebe brasileiros e estrangeiros de todas partes, uma vez ao ano.

Atividades coletivas com os artistas participantes do Lab Verde. (Foto: Rogério Assis)

O LabVerde foi criado para explorar os limites da arte com a promoção de experiências autênticas e confronto entre disciplinas, envolvendo arte, ciência e natureza. O objetivo principal do programa é a criação de conteúdos culturais sobre o meio ambiente, gerados pelo conhecimento teórico e pela experiência prática na Floresta Amazônica. Propõe várias discussões desde o conceito de paisagem em uma abordagem filosófica conceitual, até trabalhos ligados a arte ciência e tecnologia – como pensar soluções para o futuro do planeta sem o homem, inspirado na declaração do prêmio Nobel Paul Crutzen.

Para Crutzen,  entramos, em 2016, na Era Antropocena – uma fase inteiramente nova da história planetária, na qual os seres humanos se tornaram a força motriz. Sem uma catástrofe, como um impacto de asteróide ou guerra nuclear, a humanidade continuaria sendo uma grande força geológica por muitos milênios. Essa ideia saltou para as ciências humanas, para a imprensa e depois para as artes, tornando-se tema de fotografia, poesia, ópera e até uma música de Nick Cave. “A proliferação desse conceito pode ser atribuída, principalmente, ao fato de que, sob o disfarce de neutralidade científica, transmite uma mensagem de urgência moral-política quase sem paralelo”, escreveu o filósofo alemão Peter Sloterdijk.

Atividades coletivas com os artistas participantes do Lab Verde. (Foto: Rogério Assis)

Para Lilian Fraiji, essa mudança de como estamos transformando a natureza é urgente, paradigmática. Nós somos natureza. Não podemos manipulá-la, dominá-la, pois somos uma partícula integrante deste organismo Terra. Nossa pequenez, contudo, causa catástrofes que ameaçam a nossa existência e a de toda vida que coabita este planeta.

Com essas questões em mente, o LabVerde pensa que é fundamental repensar os conceitos de natureza a partir da linguagem. Discutir, estimular e comunicar são as ações facilitadoras de compreensão das transformações que vemos e vivemos.

Pesquisa da artista Renata Mavecque, durante a residência. (Foto: Rogerio Assis)

“As relações são simbióticas e infinitas. Só o cosmos consegue dar conta dessa potência que é a ecologia. Quando nos integramos à ecologia, nos conectamos com o cosmos. Existe uma conexão que te faz entender as atmosferas” pontua ela.

Na residência, os artistas são estimulados a se tornarem paisagem. Tornam-se Amazônia. Acontece uma reinversão da paisagem, já que na teoria da paisagem existente na filosofia, trata-se, sempre, de uma projeção do lugar. Na imersão que eles propõem, você não olha de longe, você se aproxima e existe um devir paisagem. A natureza existindo como algo transversal. Do micro para o macro. A linha horizontal que estamos acostumados a ver a paisagem, se desconstrói na Amazônia, reflete Fraiji.

Trabalho de Juliana Curvellano e Fabian Albertini durante a residência.

Vivemos em um mundo acelerado, fugaz, pautado pelo relógio. Na Amazônia, existe o tempo da Terra. É preciso entender os diferentes ciclos e dinâmicas de tempo que estão acontecendo ao seu redor. A idade das árvores, o processo migratório de uma borboleta, o som dos pássaros… Um espaço com tempos profundos, com diferentes ciclos e dimensões. Tudo isso coloca nós, seres humanos, em uma situação física diferente da que estamos acostumados. A Terra tem anos, a natureza é milenar. Nós, seres humanos, chegamos há tão pouco tempo aqui. Refletir sobre isso e se projetar nessa escala de tempo te coloca nessa situação o mínima. Ao tomarmos consciência sobre as diferentes dinâmicas e interações de um ecossistema, conseguimos compreender como os micro-organismos moldam silenciosamente o macroambiebte em uma teia infinita em cadeira. Somos o micro dentro desse macrocosmo chamado natureza.

Trabalho da artista Elin Glaerum Haugland com pigmentos da Amazônia.

“Estar na floresta é ser obrigado a coexistir com os seres da floresta. Ouvir os sons. Perceber esse espaço. Nós ficamos humildes na grandiosidade da natureza. Faz com que você se olhe como organismos vivo, e olhe os seres da floresta como sujeito” fala Lilian. “Toda historia moderna olha a natureza como objeto, e não como um sujeito em transformação. A partir do momento que você está na natureza, você é dominado por essa paisagem.  Você é inundado, atravessado por tudo que está ao seu redor. É um atravessamento transversal”.

A atmosfera carrega um poder inigualável: de unir todas pessoas do globo. Um território afeta o outro nos chamados acontecimento invisíveis, no “efeito borboleta”. Como, por exemplo, o deserto do Saara, é fundamental para que exista uma floresta. Grãos de areia do deserto repletos de fósforo, carregados pelos ventos da África são vitais para nutri-la. Se um grão de areia faz uma diferença na floresta, imagina o que a floresta faz com o resto do mundo. E a Amazônia também é água. A floresta mantém úmido o ar em movimento, o que leva chuvas para áreas continente adentro, distantes dos oceanos. Uma árvore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de água num único dia. A Amazônia sustenta centenas de bilhões de árvores em suas florestas e 20 bilhões de toneladas de água por dia são transpiradas por todas as árvores na Bacia Amazônica. Em seu conjunto, as árvores, essas benevolentes e silenciosas estruturas da natureza, jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Rio Amazonas.

Série “Irreversível 1”, da artista Renata Padovan produzida durante a residência.

A mistura entre arte, ciência, tecnologia para discutir o meio ambiente é latente no programa, com inscrições abertas até 3 de fevereiro.  As questões climáticas estão afetando o mundo inteiro, com catástrofes anunciadas. Como conseguir revalorizar a natureza e ressignificá-la é a pergunta (e, talvez, o início da resposta e/ou reflexões) que permeia os 10 dias imersos na floresta. É urgente a luta contra a ignorância da sociedade urbanizada – dos que lidam com motosserras, promovem queimadas e dos que formulam políticas públicas, financiando e controlando os comandos de devastação. Nesse sentido, é vital fazer com que os fatos científicos sobre a importância da floresta e o clima cheguem à sociedade e sejam pulsantes no conhecimento.

Trabalho do artista Rodrigo Braga durante a residência.

Estar conectado(a) a todas as questões ligadas a floresta e mergulhar nos efeitos que as mudanças climáticas podem causar são fundamentais para criar um lugar de fala nas artes. Afinal de contas, por meio dela, podemos chamar ainda mais a atenção a esse caos climático previsto que tem o potencial de ser ainda mais destrutivo do que foi a Segunda Guerra Mundial.