Os gritos contra a censura, de diferentes nomes da arte brasileira, em uma exposição em NY

É preciso gritar de forma escancarada, de diferentes formas. Vivemos tempos de escuridão, em um contexto de autoritarismo e censura no país. Com mais de 30 artistas brasileiros de diferentes gerações como Regina Parra, Anna Bella Geiger, Nino Cais, Cildo Meireles, Jonathas de Andrade, Marcelo Amorim, e com práticas que respondem a tal opressão, a exposição Against Again: Art Under Attack in Brazil foi aberta em Nova Iorque na última sexta feira, 14 de fevereiro.

“Corpo político”, de Isamel Monticelli.

Segundo Tatiane Schilaro, uma das curadoras da mostra, o projeto surgiu como uma iniciativa de um grupo de artistas e historiadores que trabalham com arte brasileira em Nova York como uma resposta ao aumento de práticas autoritárias contra as artes no país. Como um breve diagnóstico destes tempos sombrios, aponta conexões entre sistemas de poder tão antigos quanto o colonialismo e os atuais discursos neofascistas.

Foto do projeto “Alma de Bronze”, de Virginia de Medeiros. 

“A exposição foi selecionada em 2019 pelo comitê da galeria Anya and Andrew Shiva Gallery, um espaço institucional da John Jay College of Criminal Justice, faculdade da City University of New York (CUNY). Esse espaço é conhecido por apresentar exposições e eventos de arte contemporânea com foco em direitos humanos e justiça social e atende um público de mais de 15 mil estudantes de graduação e pós-graduação”.

“Porn 2”, de Eduardo Kac.

Nathalia Lavigne, também curadora do projeto, afirma que, embora alguns trabalhos na mostra de fato tenham sido censurados no passado, como uma instalação da Sonia Andrade retirada de uma exposição do MAM-RJ em 1978, a mostra trata também de outras formas de silenciamento e ataque a grupos sociais já tradicionalmente reprimidos – indígenas, negros, LGBT+ etc.

“América”, de Jaime Lauriano. 

As curadoras buscaram destacar, em um dos núcleos, obras que tenham surgido ou dialoguem com mídias digitais, especialmente no contexto das redes sociais, que são hoje espaços dominados por discursos de ódio e onde os ataques acontecem de forma mais virulenta.

Foto do projeto “Aceita?”de Moisés Patrício.

Para o artista Marcelo Amorim, que está com a obra “Escola Normal” na mostra, as fake news usaram as artes visuais como seu laboratório, como primeiro alvo, criando um inimigo imaginário para a população.

“Escola Normal”, de Marcelo Amorim.

“Em 2019, eu tive o prazer de fazer essa exposição individual chamada Escola normal”, ocupando praticamente todo Museu de Arte de Riberirão Preto (MARP). Uma das razões que me levou a propor a ideia e o diretor a topá-la, foi que, recentemente, o museu havia sido atacado por notícias falsas. Um suposto repórter gravou um vídeo afirmando que o Museu de Arte de Riberirão Preto tinha em cartaz uma exposição chamada “Sexo na terceira idade” e que nela estavam exibindo pornografia para crianças de 6 anos. Na realidade, a exposição era o tradicional salão de arte contemporânea. O sujeito gravou escondido uma mediadora perguntando se eles recebiam crianças no museu e ela respondia que sim, a partir dos 6 anos de idade. Esse vídeo viralizou em grupos de whatsapp e, como resultado, as escolas cortaram seus convênios com o museu e pararam de levar os alunos devido à pressão dos pais. Pessoas ligavam para o museu e faziam ameaças de colocar fogo no prédio, ameaçavam o diretor de morte, as coisas saíram fora do controle”, ele afirma.

“Nascido-peão”, de Jonathas de Andrade, parte da série “Eu, mestiço” inspirado pelo livro “Raça e classe no Brasil rural”. 

Seu projeto – o núcleo da exposição – partindo de livros que alfabetizaram gerações de brasileiros e, a partir deles, percebe-se que desde sempre a educação foi apenas para uma pequena parcela da população. Com esse material educativo, foi possível garimpar vestígios para a história da educação nacional e da cultura escolar no Brasil. Com o governo que vivemos hoje, segundo Marcelo, infelizmente, percebe-se que essas questões não ficaram no passado.

O pão nosso de cada dia, de Anna Bella Geiger, parte da Bienal de Veneza de 1980, quando ela representou o Brasil.

Habitamos um país em ruínas no campo da arte.  Um ministério de cultura dissolvido,  corte de verbas na cultura, a demissão de profissionais por motivos ideológicos. São pequenas táticas de terror e de uma censura deliberada que dificulta a circulação de vários tipos de trabalhos. É preciso seguir em carne viva, ultrapassando as barreiras. São muitas as camadas a frequentar, a sangrar e estancar as feridas como uma resposta a escalada de opressão crescente em território nacional. Que esses tempos sombrios ensejem criatividade transformadora, algo essencial em momentos de crise. A construção de um espaço plural, democrático e inclusivo passa, necessariamente, pelas artes, cultura e pelos artistas. Os museus e espaços de exposição são agora locais de resistência, como já o foram no passado nem tão distante do regime militar. Se a arte está sob ataque, o momento é de contra-atacar para resistir, para sobreviver.

Against Again – Art Under Attack in Brazil

até 3 de abril

The Anya and Andrew Shiva Gallery

John Jay College of Criminal Justice

860 11 th Avenue New York, NY 10019