O mergulho no Cosmos, de Sandra Cinto, no Itaú Cultural

“O mais importante e bonito do mundo é isso. Que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam”. Guimarães Rosa

Nós somos poeira de estrela, todos nós somos Luz, 2020 (Foto: Anna Carolina Bueno)

Sandra Cinto nos propõe um mergulho no cosmos, em todos os nossos silêncios, inquietudes e no nosso eu mais íntimo. Convida-nos a desafinar e a acontecer. Para ela, que começou desenhando céus bem pequenos no início da carreira, levá-lo agora à grande escala é poder colocar o espectador nessa nuvem, nesse sagrado. “Poder, com a arte, criar outros espaços para o outro e conectar o espectador com um outro eu, é mágico”, pontua ela, enquanto devaneamos sobre esse vazio que é cheio de possibilidades, na montagem de sua primeira panorâmica de 30 anos de carreira –  Sandra Cinto: das Ideias na Cabeça aos Olhos no céu.

Construção, 2006. (Foto: Ding Musa)

Todo o percurso é cheio de possibilidades e percorre as camadas vivas da artista, como uma grande dança composta por desenhos, pinturas, objetos, fotografias, documentos e vídeos.  Como uma proposta curatorial de Paulo Herkenhoff, a mostra é  dividida em três tempos denominados com diferentes fases da água: Chuva, Garoa e Neblina.  Na chuva, o semear, na Garoa, o materializar e na Neblina, o representar o cosmos. Com seus tons transitórios entre azuis e cinzas, as nuvens tempestuosas reverenciam as ondas rebeldes anunciando a imensidão da natureza, salpicadas por uma poeira cósmica dourada.

Noites de esperança, 2006. (Foto: Ricardo Amado)

“As águas violentas, as águas do mar, com suas ondas na fúria e numa raiva animal, pisoteiam corpos como uma raiva humana”, disse Gaston Bachelard em seu livro “Água e os sonhos”. Nas paisagens de Cinto, feitas para nos perdermos nelas e em nós mesmos, somos pisoteados entre o respiro e a apreensão da beleza.

Sem título, 2013.
Sem título, 2013.
Flauta doce modificada, 2013, Bronze, Coleção da artista. (Foto: Anna Carolina Bueno)

Telas em branco como partituras prestes a acontecer são preenchidas de forma lenta e monótona, pelo desenhar de Sandra, por paisagens profundas. Uma linha atrás da outra, como um processo meditativo, sem pressa, com suas próprias referências ao budismo.

Para ela, essa exposição é um congraçamento de seus afetos. É dela e de todas as pessoas (e coisas) que permearam seu pensar, seu criar e seu ser. Em “Chuva”, no primeiro andar, ela nos presenteia com seus blocos de nota e todo seu processo criativo e faz uma homenagem à educação (tão fundamental nesses tempos sombrios). Afinal, em seu DNA, ela carrega o ensinar e compartilhar o que vê, sabe e aprende junto de sua carreira artística. Coloca a escola como um grande sol que ilumina e a Universidade como um telescópio invisível “A escola é o lugar mais lindo na vida de uma pessoa”, afirma. Convidar outros artistas para habitarem essa chuva com ela é um jeito de mostrar que não estamos sozinhos e somos melhores quando estamos juntos, segundo a artista.

Sem título, 2013. (Foto: Anna Carolina Bueno)

Junto com seu parceiro de vida, o também artista Albano Afonso, ela dirige o Ateliê Fidalga, espaço que usa o modelo horizontal de aprendizado, onde todo mundo aprende e ensina ao mesmo tempo, há 22 anos. Aliás, enquanto conversávamos no andar “Neblina”, de sua exposição, Albano era quem estava na redoma de um azul profundo do universo com uma caneta branca na mão pontilhando estrelas no céu de Cinto (ok, posso dizer que também pontilhei algumas). A idéia é mesmo ser uma obra colaborativa, me contou.

Nós somos poeira de estrela, todos nós somos Luz, 2020, Site specific.(Foto: Anna Carolina Bueno)

No segundo andar, Garoa, ocupado por seus delicados desenhos iniciais e primeiras pinturas de céus nuvens e faróis, o espectador se deleita no traço fino da artista, como uma grande coreografia que ocupa todo o espaço. As  referências musicais, presentes em muitas de suas obras, aparecem em partituras desenhadas em uma sala acústica abrigando instrumentos sem corda, propondo o silêncio.

Não importa em qual parte da exposição você esteja, será regado(a) de afetos. “Não há educação sem amor. Não há arte sem amor. Hoje, falar do amor é um jeito de produzir um antídoto a tudo que estamos vivendo”, afirma Cinto.

Partitura (Instalação), 2014. (Foto: Anna Carolina Bueno)

Os silêncios, as pausas e os hiatos são notórios nessa panorâmica. Tudo se percebe, se sente, se atravessa. Todas suas obras são imersivas e monumentais, mas com um caráter introspectivo impressionante.

Suas obras carregam o microcosmos no macrocosmos. São pequenos universos dentro de toda grandiosidade. A experiência de ver uma de suas obras tem dois (ou mais) momentos. Enxergar o todo ou se aproximar e observar os pequenos mundos que acontecem em cada uma delas. Poder estar atento a isso e encontrar uma redoma que te permita esse respiro é o mais precioso da arte. Um hiato no ruído do que nos rodeia e da sociedade em que habitamos. É o que ela propõe junto ao cosmos.

Projeto Banco. Área externa do prédio do Itaú Cultural. (Foto: Anna Carolina Bueno)

Sandra Cinto: das ideias na cabeça aos olhos no céu

Abertura: 11 de março, 20h

Visitação: 12 de março a 3 de maio

Avenida Paulista, 149