As cicatrizes de um território – a obra do sul-africano Moshekwa Langa

Cassiana Der Haroutiounian

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto –  Raiz de Orvalho e Outros Poemas

O artista Moshekwa Langa nasceu no vilarejo de Bakenberg, em 1975, na província de Limpopo, mas foi criado em Johanesburgo, durante o apartheid. Quando criança, descobriu que sua terra natal não estava no mapa e ninguém a conhecia.

Multimídia, o sul-africano que vive há anos em Amsterdã carrega uma reflexão antropológica de sua própria vida e de seu contexto, por meio de suas esculturas, instalações, fotografias, desenhos e vídeos. Com sua obra, tenta dar sentido à sua origem e ao seu lugar no mundo, como uma cartografia de suas emoções, memórias e vivências.

Sua vida íntima, com dores, alegrias e saudades estão frequentemente presentes em seus trabalhos, misturados na tentativa de eternizar e resgatar cada momento ou território. Ele presta uma homenagem e revisita geografias específicas na linha do tempo e de espaço de lembranças incompletas.

Desde meados dos anos 1990, o trabalho de Langa tem interrogado a Terra e as políticas públicas e pessoais através do mapeamento de territórios e ambientes culturais. Langa mergulha no processo, mas permite que ele evolua organicamente, envolvendo seu trabalho em uma conversa reflexiva.

Nessas obras da série “Drag Paintings”, reflete sobre seu passado e a paisagem remanescente de sua cidade natal, que passou por mudanças consideráveis com o início da mineração, num emaranhado infinito desse contexto, que nós todos encontramos quando tentamos escavar os espaços em branco em nossas memórias, com epifanias doces e também dolorosas. No final, nunca podemos ter certeza se estamos formando fantasias, lembrando histórias ou inventando encontros a partir das probabilidades de nossas vidas. Um emaranhando de fios grossos suturados em nossas peles.

Essa instalação sustenta fortemente as noções de terra como lar. Grandes telas sujas penduradas no teto como pedaços de um mapa suspenso. Essas telas grandes gritam com a pátina da terra; tocado pela cor do sangue enferrujado do solo da região de Bakenberg, uma espécie de fonte e gênese de todas as suas memórias incompletas, vividas e inventadas. O artista decidiu percorrer esse vilarejo simplesmente arrastando lençóis brancos molhados no chão vermelho, ou simplesmente deixando-os ao ar livre até que o solo arenoso de argila vermelha manchasse-os  o suficiente, criando suas próprias marcas e cicatrizes. Ele então recuperou e fez sobreviver a topografia de seu território, fixando-o no tempo. Um discurso absolutamente potente e poético no debate universal sobre a questão de terra como território. De terra como lar.