As pinturas viscerais da espanhola Paula Bonet
Em carne-viva. Assim é a obra da espanhola Paula Bonet, com quem bati um papo na última terça feira (26). Todas as emoções correndo intensamente por suas veias em cada ato de pintar, desenhar, escrever… Dor, angústia, tristeza, dúvidas e anseios como lugares onde se coloca em risco o tempo todo. Desde os últimos trabalhos, Bonet vem abordando a questão feminina intensamente. A mulher como um campo de batalha. “Eu acredito que o corpo individual, que a princípio pode parecer uma anedota, é um reflexo evidente do corpo coletivo. Por isso que começo do eu, porque sei que é um reflexo de algo maior que está em construção contínua. Graças ao eu literário ou pictórico, onde não há autocensura e mais radicalismo, posso cometer suicídio, se quiser, e direcionar meu trabalho para o local coerente que estou interessado em tratar”.
Seu corpo funciona como placas tectônicas, em colapso e erupção com o que vive. Um corpo fragmentado, no qual tudo se mistura, vivendo em uma ordenada desordem, assim como a água, os gases e pedaços de terra, confusos e que coexistem em desordem, não sendo mais um todo unificado.
“Por muito tempo, pensei que acumulava meus diferentes ‘eus’ linearmente. Agora, acho que, como diz a escritora Maggie O’Farrell, todos esses seres estão contidos. Eu me vejo, como ela diz, como uma Matrioshka”, afirmou Paula. Seus tantos eus estão em muitas das mulheres que ela pinta. Com uma linha feminina, mas uma energia bastante masculina, tenta tirar o máximo do seu feminino em seus traços. “Quando comecei a pintar flores, busquei que elas tivessem força e caráter e não fossem meras anedotas em cor pastel. “
Seus trabalhos nascem de perguntas para as quais não encontra respostas óbvias, partem de inspirações e disparos de obras literárias. Antes, segundo ela, em um mundo com muitas leis pautadas pelo universo masculino, lia muitos autores, mas há 5 anos mergulhou essencialmente em autoras e em todas as discussões que envolvem questões de gênero, se afastando um pouco do universo masculino puro para encontrar diferentes olhares. “Hoje, posso dizer que me emociona enormemente também ler literatura escrita por homens na qual a perspectiva de gênero começa a estar presente, como no livro “Poeta Chileno” de Alejandro Zambra.
Insistente, como ela mesma em uma palavra se define, Bonet leva como mantras da vida pensamentos de ativistas feministas como a francesa Kate Millet: “o pessoal é político” e da norte-americana de origem caribenha Audre Lorde: “Teu silêncio não te protegerá”.
O livro “Corpo de grávida sem embrião” é um trabalho que tenta colocar sobre a mesa um dos muitos tabus que afetam o corpo das mulheres. São palavras e imagens que se comunicam com os dois abortos que ela sofreu em 2018 de forma potente, íntima e bonita. Temas pouco trabalhados na arte são latentes em suas pinturas e projetos, em cores que embalam a nostalgia e melancolia. Composto por um díptico no qual pintura e palavra se juntam. Por um lado, há um armário de animais pintado em formato acordeão (um suposto livro infantil que ela pintou para a filha enquanto estava grávida); por outro, um livro que inclui o diário desses dois abortos. “Mi ratoncita estaba allí quieta como una osa silenciosa en hibernación.”
“Às vezes, vejo fotos que me causam uma erupção cutânea e machucam minha alma por falta de consideração, porque as mídias procuram a emoção mais fácil ou porque a única intenção que eles têm é ganhar muito dinheiro”.
Contemplar uma obra de Bonet significa olhar para si mesma e permitir-se estar um tempo no estado reflexivo. Para ela, somos invadidos de imagens diariamente de forma tão veloz que não nos permitimos parar por um momento e desfrutar, sofrer ou simplesmente estar conscientes do aqui e agora. Conectar-se ao útero de cada mundo-indivíduo.