Os frutos precisam estar maduros – Ensaio Palavra-Imagem com Ana Paula Dugaich

Giovana Grigolin
Cassiana Der Haroutiounian

O Ensaio Palavra-Imagem de hoje vem com toda sua feminilidade possível. Convidei a escritora e roteirista Ana Paula Dugaich que me propôs seis imagens de diferentes fotógrafas para esparramar suas palavras doces e delicadas em seis crônicas interligadas. Ana, mãe de duas meninas e  filha devota da terra, tem como temas literários centrais a terra, o tempo, o corpo e a impermanência. Ultimamente escreveu as crônicas do programa Refazenda na GNT, acabou de escrever seu primeiro romance “Para morrer como os leões” e está trabalhando no desenvolvimento de um de seus roteiros que ganhou edital do (ex) MinC “No verão que eu voei.”. O resultado? Um respiro para esse domingo ensolarado.

Tati Abreu

1

já não é mais maio e junho ainda não é

estou no instante em que o balanço chegou ao limite do seu impulso

mas ainda não voltou

no exato momento em que as lulas e águas-vivas se contraíram todas

para expulsar os jatos de água

tempo quando a gente vai se arrepiando

porque os músculos de um milímetro de comprimento que ficam rentes à raíz dos pelos  se contraem e eriçam

passei exatos sessenta dias respirando com a terra

pescando faíscas

usando sensações frescas no instante que me vinham

e depois exalando e preterindo todas elas como se fossem farelos amanhecidos

uma intensa atividade elétrica iniciou-se nos meus lobos temporais

queria que você tivesse a mesma surpresa que tive quando

destampei um pote de páprica  e vi o condimento se mexendo

micro besourinhos do tamanho de gergelins que foram ovos, larvas, pupas e acabavam de explodir em inseto vermelho

coisas invisíveis tomaram conta da nossa vida

Chana Moura

 

2

a qualidade principal para viver o presente na terra é a paciência

tem um instante seguro para o broto sair da semente

é preciso um tempo para que uma cebola deite sua bainha anunciando que está pronta

os frutos precisam estar maduros

as raízes para serem colhidas precisam ter completado seu ciclo

assim como são necessários nove meses para gestar um filho,

esse é o pulso da vida, o fluxo do metabolismo do organismo da grande mãe

mas nossa civilização quer sempre se adiantar à natureza

e tirar a essência espontânea dos corpos

apressando os instantes, abreviando os ritos.

Katrien de Blauwer

 

3

a folha seca cai da árvore

é desmanchada por minúsculos organismos

depois é mineralizada por fungos e bactérias

e seus nutrientes voltam a ser absorvidos pelas raízes

um processo simples e corriqueiro,
o mesmo acontece com a gente e nossas cinco bilhões de células comandadas por um cérebro

bilhões delas morrendo diariamente e outras bilhões nascendo e o corpo nem tem tempo de lamentar uma célula que ficou para trás, nem de perguntar:

você tá me entendendo?

somos uma porção de elementos químicos correndo de lá prá cá escondendo da gente mesmo o milagre da vida, e eu derramo tantas lágrimas

cada lágrima cai como uma folha seca, pesa trinta e cinco miligramas e é salgada como a água de um rio já chegando ao mar

elas passam por seis canais finíssimos como fios de cabelos

e essas lágrimas todas que eu não canso de deixar correr lembram que essa máquina biológica que hospeda meu espírito talvez tenha a mesma tendência das células cardíacas: contrair, expandir

e os milhões de diminutos canais que suponho serem ocos me atravessam e sopram em mim um calmo prenúncio

Fernanda Frazão

4

acordar no mato é bom

o sol baixo faz as sombras ficarem compridas no chão

tudo começa pálido e vai ganhando cores

amanhecem as plantas, os bichos, o bando de pássaros.

uma cerimônia diária.

estou na dança do ritmo biológico que é sincronizado pela luz, tudo uma questão da luminosidade como se a luz ou ausência dela regesse todo um sistema

nosso organismo se comporta de um jeito na claridade do dia

e de outro jeito nos tempos sombrios

Maureen Bisilliat

 

5

gosto de pensar que os átomos do seu e do nosso corpo foram criados do resto de estrelas, estrelas mortas há muito tempo

que as estrelas que vemos já estão mortas, isso me fascina

que uma supernova atinge seu brilho máximo tempo depois de ter explodido é como uma expansão nas costelas para abrigar mais do mundo no peito

ela explode. e depois de tudo terminado ainda vem a exaltação.

Giovana Grigolin

 

6

respiro como se estivesse me impregnando por dentro

da beleza da terra sendo alimentada da chuva de ontem

a água encharcou as raízes, os troncos,

o ar tem cheiro de depois da tempestade,

do líquido que corre na veia das deusas

e é esse o  perfume mais sutil da vida.