Para essa edição do Ensaio Palavra-Imagem, convidei a atriz Maria Ribeiro, que me sugeriu as imagens da performance feita pelo fotógrafo Bob Wolfenson e suas duas filhas, Helena e Isabel, na cidade de São Paulo, em maio. Fotos da série “Nósoutros” de Bob (expostas em 2017 na Galeria Millan) foram projetadas em larga escala na fachada de um prédio, na avenida São João com a Duque de Caxias, no oposto da imensidão vazia da capital. Um devaneio lindo sobre o ser e estar na cidade de ontem e de hoje.

O link para o vídeo da performance aqui.

“Onde queres descanso, sou desejo”. O verso do Caetano Veloso, assim como todos os outros da letra de “O quereres”, sempre me serviu como espelho – muitas vezes disforme, aliás – de uma ansiedade tão íntima que eu diria ser praticamente original de fábrica. Mas, no dia 25 de agosto de 2019, quando Fernanda Young saiu de cena exatamente com essas palavras, o que antes era um verso passou a ser um país, que imediatamente identifiquei como meu. Como ela, também eu nasci em um balneário e passei a vida me exibindo, mas, depois da segunda taça de vinho – de olhos fechados e livre da armadura do avatar que se oferece nas redes sociais – volto ao meu CPF mais primitivo, indoor e urbano, casa e rua numa contradição que vai no máximo até a segunda linha. Gosto de prédio, de pixo, restaurante, farmácia 24 horas, camelô, fachada de cinema, banca de jornal, cachorro, vende-se ouro, gente indo, gente vindo, gente parada, gente com mapa na mão. Meu pulso bate fora do corpo, na gloria e no desespero de um mundo que independe da minha intervenção. Vi a foto do Bob Wolfeson projetada em vídeo na Rua São João e só ali minha quarentena achou sua vaga nesse 2020. Arte deve ser pra muitos. Aquela foto em movimento, aquela aglomeração possível, aquelas pessoas juntas sem saber do privilégio que viviam, o esbarrar, o se incomodar com isso, o ressignificado da cena no momento de isolamento, a dimensão nova da cena, no tamanho e na geografia… Nósoutros… Quero a cidade que já não me é possível, quero a São João do Caetano, do Bob, quero descanso e desejo, quero gente que eu conheço e gente que eu não conheço. Quero gente nem que seja pra assistir da janela e gritar minha solidão. Nósoutros…porque foto pra mim é relação, e pra isso é preciso mais de um.