Pensamentos Decoloniais: artistas negras brasileiras falam sobre os tempos sombrios

Parede de Memória, de Rosana Paulino
Cassiana Der Haroutiounian

Hoje publico um conteúdo especial no Entretempos: esta  entrevista ótima e essencial que a Thais Gouveia realizou com 7 artistas negras brasileiras acerca dos tempos sombrios atuais, que foi originalmente publicada no site New City. Vale cada minuto de leitura como uma provocação para uma reflexão profunda e tão fundamental não só nos dias de hoje, mas sempre.

A geometria à brasileira chega ao paraíso tropical, de Rosana Paulino

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 “Enquanto certos países têm um problema racial muito violento, aqui nós não temos. Aqui no Brasil, todos nós vivemos bem”, afirmou recentemente dom Bertrand de Orleans e Bragança em meio aos debates internacionais sobre racismo. A declaração do trineto do imperador dom Pedro II, para quem no Brasil não existem desigualdades raciais, ilustra a realidade do país. O mito da democracia racial brasileira só faz sentido, afinal, para o branco que desfruta das benesses de um sistema estruturado para perpetuar seus privilégios e que se recusa a abrir mão dos mesmos.

Atlântico Vermelho, de Rosana Paulino

Tal afirmação equivocada surge em meio à discussões e protestos antirracistas num país que tem como protagonista um antipresidente déspota, fascista, racista, estúpido e macabro sobre um pano de fundo pandêmico alarmante. O Brasil é o segundo país no mundo com mais mortes e casos confirmados de Covid-19. A população negra, mais exposta e vulnerável devido às marcas de um ainda presente sistema colonial e escravocrata, representa a maior parcela desses números. Pensando na urgência de discutir esses temas no momento atual, decidimos conversar com sete artistas mulheres negras brasileiras: Aline Motta, Janaina Barros, Lidia Lisboa, Mariana de Matos, Rosana Paulino, Sheyla Ayo e Val Souza.

Outros Fundamentos, de Aline Motta

 

Elas falaram sobre os desafios de ser mulher e negra num país cujo violento racismo estrutural não é reconhecido, a prática artística durante a quarentena, ações concretas para um movimento efetivo de resistência dentro de um dos campos mais elitistas da cultura (o circuito de artes visuais) e o longo caminho que ainda teremos de percorrer —dentro de um sistema estruturado para perpetuar o privilégio racial branco— para que outras narrativas possam penetrar as instituições e negras e negros finalmente ocupem lugares de fala e poder.

Psicanálise do Cafuné, 2017, de Janaina Barros

1) Quais os desafios de ser uma artista mulher e negra no Brasil? O que você pensa sobre uma produção que não aborde temas identitários?

 Aline: Pelo que tenho observado, não estamos criando estruturas duradouras para que trabalhos de artistas mulheres negras sejam vistos, debatidos, criticados e que ofereçam retorno financeiro compatível com uma vida digna em nossa sociedade, independente da temática com que trabalhem. Então os desafios são enormes para quem se atreve a criar neste campo. Espero que estes trabalhos tão potentes que tem surgido na cena brasileira das artes visuais possam ser vistos de maneira ampla e valorizados em um momento em que essas vozes, que foram historicamente silenciadas, estejam vindo à tona com tanta força.

Janaina: É impossível não pensar em relações de poder e como o racismo, enquanto estrutura, foi fundamentado pela ciência, pela construção de uma ficção que apaga autorias vistas como subalternizadas e pela educação hegemônica. A grande questão para mim é não ser vista, tanto como artista quanto mulher negra, a partir de uma homogeneidade ética e estética. Não considerar a negritude e o feminino como formas de subjetividades constitui uma estratégia de apagamento no qual o sistema de arte sinaliza o que é ou não relevante. destaco as questões: Quem determina o que é relevante? O que se espera de produções de autorias negras? Sobre quais questões podemos falar em nossas pesquisas? Determinadas a partir de quais lugares? Sobre o quê gostaríamos de falar considerando as nossas subjetividades?

 Lidia: É muito difícil. Espero que chegue um dia em que as pessoas enxerguem às outras não pela cor da pele mas pelo trabalho, pela potência. E eu sempre costumo dizer a mim mesmo um mantra: “essa vergonha não é minha”. Eu acredito na liberdade criativa dos artistas. Os temas de identidade são muito importantes, mas o artista deve ser livre para criar com o que lhe inspirar.

Mariana: Acredito que esse desafio tem relação com a segunda pergunta. O que é identificado como temas de identidade? Partindo do princípio que branco também é identidade e que artistas narram a partir de seu lugar no mundo, entendo que toda produção parte de uma localização, de uma identidade, de sua perspectiva, entre outras coisas que nos atravessam. Existe uma pretensão de universalismo e neutralidade por trás da “branquitude” que categoriza o que seria “temas identitários” e que dificulta que a gente possa olhar produções de conhecimento a partir de seus lugares de enunciação. Talvez esse seja o maior desafio pra mim enquanto artista negra.

Rosana: Para ser artista no Brasil ou você tem que ter muita coragem ou pouco juízo (risos). Basta olhar para como o país trata a cultura. Ou, então, você tem que ter uma pulsão tão grande que você não consiga fazer outra coisa. Foi isso que aconteceu no meu caso: eu tinha uma necessidade tão grande de falar que eu não conseguiria fazer outra coisa. Então, ser artista no Brasil é uma “pedreira”, sempre foi. Ser artista mulher é outra, porque você tem toda uma carga histórica nas suas costas acerca das atribuições que acompanham as mulheres. Ser artista, mulher e negra é mais difícil ainda. Quando eu comecei, o sistema de arte era totalmente refratário à questões do feminino e, ainda mais, do feminino negro. Então como ser mulher e abordar essas questões? É uma questão de sobrevivência. Sempre fui muito independente e a minha sorte é que eu sempre gostei muito de dar aula, o que proporcionou minha autonomia financeira. Também trabalhei como assistente de restauro, fiz artesanato, fiz um monte de coisa, mas sempre mantendo a produção porque ela tinha que continuar. Você tem que ter tempo para estudar, ter material e arcar com os custos da casa. E o ponto está em como fazer isso quando a sua prática artística, ao invés de trazer dinheiro, te drena dinheiro. Esse é o ponto. Agora sobre a segunda questão: eu acho que todo mundo é livre para fazer o que quiser. Eu sou totalmente contrária à ideia de que determinados grupos têm que tratar de determinadas questões. Isso também é uma camisa de força, uma demonstração de racismo. Eu parto do pressuposto de que quem faz arte é livre para escolher aquilo que incomoda. Se a pessoa está incomodada com uma questão estética qualquer, ela que fale disso, daquilo que a incomoda.

Sheyla: Ser artista mulher em si já é um problema. Embora tenhamos avançado, ainda sofremos e disputamos nosso lugar de fala com os homens pretos e brancos, passamos pelo estigma de ser a mulher com um corpo hipersexualizado, torturado muitas vezes dado o alto índice de feminicídio no país bem como doenças emocionais e mentais como consequência de um sistema que vem nos engolindo todos os dias. Já ser artista mulher e negra é um caso à parte. Temos de ressignificar nosso trabalho muitas vezes, buscar espaço para mostrar nossa pesquisa e que, muitas vezes, é vista com ressalva e desconfiança, um reflexo do sistema racista e escravocrata em que estamos inseridas. Mas sigo produzindo todos os dias porque isso me faz viver. Eu acredito no meu trabalho e no fato de que minha pesquisa contribuirá para outras mulheres negras, independente do mercado e de curadores.  Trago aqui algumas palavras de Nina Simone: “devemos nos posicionar politicamente e refletir nosso tempo”. O Brasil, um dos países mais racistas do mundo e o último a abolir a escravização, ainda apresenta, em pleno 2020, altos números de genocídio da população negra por meio da criminalização e abuso de autoridade policial no contexto das comunidades pobres. Nossa militância grita por meio de textos como o de  Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzales, a teatralidade de Zezé Mota, o carisma e a liberdade de Jorge Lafon e o acolhimento e o respeito de Rosana Paulino, uma das maiores artistas do Brasil que tenho a alegria de cultivar uma amizade.

Val: Se identidade aqui se refere à cor da pele e à outras características físicas, eu penso que a gente precisa avançar essa discussão e urgentemente! Porque isso diz muito sobre o lugar de invisibilidade destinado aos nossos corpos negros e em especial às mulheres negras.
O maior desafio pra mim é justamente o de não congelar meu trabalho dentro da violência racista colonial. Sou uma artista que se debruça em rascunhar e exercitar desejos e para isso pesquiso as ferramentas e as gramáticas da arte para a construção de imaginários. Ser uma artista negra no Brasil é lidar com um projeto mal intencionado que nos encaixota num imaginário perverso atrelado à argumentação de que fazemos parte exclusivamente de um discurso panfletário ou mero ativismo. A comunidade artística precariza nosso modo de produção e sabota nossa participação, atuação e presença. Ser uma artista negra no Brasil é tentar transbordar esse território de negação da nossa presença que ainda se apresenta como uma ferida aberta. Há um imaginário em torno dos nossos trabalhos que amputa e mutila não só a possibilidade de diversidade de narrativas como também do próprio campo que se mantém ensimesmado produzindo conteúdos gastos e arcaicos.

Orì Orô Obìnrin, de Val Souza (Foto: Thayana Prado)

2) Como tem sido sua rotina durante a pandemia e como e com quem você tem passado esse período de quarentena?

 Aline: Vivemos um período de enorme luto no Brasil, somos diariamente afetados pela negligência de um governo que pratica uma política de cunho eugenista ainda no século 21. Tenho procurado manter minha integridade física e alguma sanidade mental para seguir respondendo à entrevistas como esta e cumprindo com as solicitações que me chegam.

 Lidia: Tenho trabalhado bastante numa nova série para projetos em andamento e futuros. Para mim este é um momento de resguardo, de reflexão sobre mim e meu trabalho onde tenho reafirmado que não consigo viver sem criar. Tenho ficado mais tempo em casa, apesar de ter que sair para trabalhar durante a semana. Não senti grandes mudanças na minha criatividade porque minha cabeça está sempre criando alguma coisa nova. Sinto falta de ir ao teatro, ao cinema, exposições e conviver com as pessoas que eu gosto. Mas tenho convertido a fadiga em potência criativa e isso me mantém viva e forte para lidar com tudo isso.

Janaina: Tem sido um momento bastante reflexivo sobre lidar com situações de adversidade. Mas também entendo o ato de recolher-me como uma maneira de reinventar o cotidiano a partir de um novo lugar. O que é essencial para este momento no campo das relações? O que é cuidado? Dessa maneira, penso que a convivência familiar é este espaço de confluências. Estou com o meu marido e meu filho de 12 anos em casa. Moramos em Belo Horizonte (MG) mas durante este período da pandemia estamos em Santana de Parnaíba (SP) numa casa que estamos construindo e onde a internet é oscilante, o que transforma a comunicação com o mundo externo. Também tem sido um momento de silêncio para eu olhar o que tenho produzido e refletir sobre o que gostaria de produzir. Entendo como um momento de fechamento e início de ciclos. Recentemente, tenho realizado alguns experimentos em fotoperformance com a câmera do meu celular no quintal, ou terreiro, como minha avó Nair chamava este espaço de terra batida com plantas que foram nascendo por diversos processos de plantio. É também um momento de vertigem, seja pelo grande fluxo de imagem ou pelo excesso de informação e estratégias de estabelecer outros modos de inter-relação através de uma tela. Lidar com processos de cura tem sido de uma extrema urgência neste momento assim como reinventar as práticas cotidianas. Trata-se de um movimento silencioso de breve suspensão do olhar e de vertigem que tem produzido mais questões do que respostas.

 Mariana: Tenho vivido um estado permanente de questionamento e usado meu tempo pra me conectar com coisas essenciais como cuidar das minhas plantas e ler poesia. Venho pensando em como desenhar modos de vida que não sejam tão presos à uma velocidade externa, embora nem sempre consiga. Um tempo que tenho dividido também com o sentimento de horror quando penso no nosso país. Tenho estado o tempo inteiro em casa, saindo só por urgência, concluindo processos como meu mestrado em Teoria da Literatura, na UFPE. Apesar de sentir um agravamento da ansiedade, meu processo criativo, que sempre partiu muito de perguntas, tem se manifestado de forma mais intensa durante o isolamento. Tenho produzido a partir de perguntas do tipo “Como aprender com o imprevisível? Como redesenhar pirâmides?’, entre outras.

Rosana: Eu odeio rotina. Não sou uma pessoa disciplinada a esse ponto: “Eu levanto, tomo café, dou uma arrumadinha na casa e vou para o ateliê”. Nunca fui assim e não mudei por conta da pandemia. Então, levanto e observo como está meu humor e o que é possível fazer com ele. Tem dias que a gente rende mais, outros, menos. Meu ateliê é muito próximo da minha casa, vou à pé e volto sem cruzar ninguém. Então dá para ir sem problemas. Se estou trabalhando em algo e está rendendo, eu durmo no ateliê mesmo. Sou muito noturna e gosto de trabalhar à noite. Tenho conseguido produzir mas não como antes da pandemia. O humor da gente oscila muito, né? E tive problemas familiares também no início: precisei cobrir uma das cuidadoras que auxiliam meus pais, então foi um período que eu não conseguia trabalhar. Agora estou começando a voltar ao ritmo normal. Moro sozinha há alguns anos e gosto dessa liberdade de ter menos necessidade de cuidado ao entrar em casa. O fazer de quem trabalha com artes visuais é solitário, —a não ser que você faça parte de um coletivo—, então não muda muita coisa. Só sinto falta dos finais de semana, de beber uma cerveja com os amigos e ir num boteco. Eu adoro um boteco! Tenho tentado solucionar com um “boteco online”: marco com os amigos, cada um na sua casa e a gente abre uma cerveja e come um salgadinho. Obviamente, não é a mesma coisa, mas ajuda bastante.

 Sheyla: Minha rotina na pandemia tem sido voltada para os cuidados com a higiene e com a alimentação pois já era adepta de uma alimentação natural.  O cuidado com a saúde mental também redobrou. Mantenho contato com amigos e parentes e tenho meditado e orado  sempre que posso.  Tenho a companhia do meu filho João, hoje com 21 anos, com o qual converso bastante e vivo um dia de cada vez. O impacto do momento foi grande: o medo do contágio, as informações desencontradas e a situação política me deixaram um pouco paralisada no começo. Mas agora tenho conseguido fazer alguns desenhos, pinturas e aquarelas que tenho compartilhado no Instagram. Tenho sentido a fadiga da quarentena: tem dias que de fato não produzo nada, fico deitada e não entro na internet. Somos seres sociais. Brasileiros tem o costume de sair bastante e encontrar os amigos. Cortar isso da rotina repentinamente é bem frustrante.

Val: Tenho trabalhado com historiadores, arquitetos e engenheiros com quem, há quase dois meses, venho elaborando um conceito e com quem tenho compartilhado minha capacidade de imaginação e de sonhar. Também tem sido um master overthinking (risos) e um tempo para me desafiar. Decidi fazer da minha casa meu ateliê e tenho compartilhado pensamentos com pessoas próximas sem a necessidade de um deadline e isso tem sido ótimo. São trocas amorosas e profundas, mas não se trata de uma paisagem bucólica. Eu tenho a sorte de ter parceiros que me desafiam, perguntam e questionam, me fazendo entrar em debates cheios de entusiasmos (risos). A pandemia acentuou questões sociais que ninguém queria enxergar e a falácia de um país democrático está desmoronando. Eu não permito que a desordem de fora crie conflitos em mim. É um trabalho muito intenso manter-se centrada e meu trabalho me ajuda nisso, me conecta com aquilo que quero trazer pro mundo.

Cupinzeiro, de Lidia Lisboa

 

3) Você chegou a ir em alguma das manifestações antirracistas e antifascistas que aconteceram no último mês? Se sim, quais impressões você teve sobre a intenção desses atos?

 Aline: As manifestações e marchas são muito importantes, não há dúvida, mas, pessoalmente, fico pensando se poderíamos criar maneiras de não nos tornar alvos de brutalidade policial ou arriscar ter o olho atingido por uma bala de borracha. É necessário criar novas estratégias de desestabilizar quem está no poder. Aqui ainda tem o agravante de que, tirar os atuais governantes do poder, apesar de absolutamente urgente, não representará uma ruptura de fato, já que vivemos um continuum histórico de séculos de posições muito fixas entre quem manda e quem obedece. São questões estruturantes em nossa sociedade e que vão exigir muito mais imaginação política para ir minando essas forças e desfazendo suas bases. Contudo, nossos antepassados nos legaram a tecnologia e a resiliência de continuar vivos através dos tempos em situações de extrema opressão. É preciso saber escutar essas vozes do passado e aplicar seu sentido de coletividade no presente. Eles tinham projetos de liberdade e de emancipação que permitiram com que hoje eu pudesse estar viva e de alguma forma procurando honrar essas trajetórias e suas estratégias de resistência. Parafraseando o escritor Ta-Nehisi Coates, “talvez o que estes antepassados sonhavam era nos ver no futuro realizando o que imaginaram para nós”.

Janaina: Infelizmente não pude acompanhar de perto essas manifestações. Contudo, entendo a importância dessa articulação política em meio a este contexto que tem produzido irremediavelmente muitas assimetrias econômicas e sociais frutos ainda de uma colonialidade de poder. Sobremaneira, redimensionadas numa sistematização de necropolíticas como tecnologia de controle de corpos racializados.

 Lidia: Não fui às manifestações mas acompanhei todas as notícias e me mantenho na luta contra o racismo que é diária, constante, sempre foi. Agora é o momento marco em que as coisas não podem de maneira nenhuma continuar como estavam, têm que mudar! Sempre tive e terei a convicção de que racismo e qualquer outra forma de preconceito jamais será tolerado.

 Mariana: Não fui à nenhuma manifestação desde o início do isolamento. Embora considere o estado permanente de urgência em responder ao cotidiano racista que enfrentamos, não incentivo que pessoas negras se coloquem em contextos de dupla vulnerabilidade.

Rosana: Fiquei morrendo de vontade, mas, como falei, tenho que tomar um cuidado dobrado em relação à pandemia por conta dos meus pais então não fui. Estava morrendo, trincando de vontade, mas não pude. De qualquer maneira, acho que estamos, principalmente no Brasil, em cima de um barril de pólvora. Todos esses anos de racismo, de preconceito, de sabotagem dessa população. Acendeu-se nos Estados Unidos e esse rastilho correu o mundo inteiro. No Brasil, mais adiante, a tendência é aumentar esse tipo de manifestação por conta das questões relacionadas ao genocídio da juventude negra. Já passou da hora.

Sheyla: Não fui porque estava gripada no dia mas alguns amigos próximos foram e me disseram que o clima de revolta é muito grande aqui. Mas a TV aberta não televisiona isso. Houve casos de pessoas infiltradas (que não faziam parte do movimento e decerto racistas) que criaram tumultos e confrontos com a polícia para incentivá-la a responder com truculência e dissipar a manifestação que prosseguia pacificamente.

Val: A minha maior manifestação é estar viva e consciente! O antifascismo no Brasil é racismo disfarçado! E eu não tenho tempo de embalar os sonhos alvos de quem me quer alvo. E, como diria Clementino Rodrigues, ou popularmente conhecido como Riachão: “esse negócio da mãe preta ser leiteira já encheu sua mamadeira. Vá mamar em outro lugar!”

Vazante, 2020, de Sheyla Ayo

4) O circuito de artes visuais é reconhecidamente um dos campos mais elitistas da cultura. Como desenvolver um movimento de resistência efetivo dentro dele?

 Aline: Às vezes acho que o problema é a falta de visão e engajamento dos seus agentes, na sua maioria, homens e brancos. Às vezes acho que eles têm receio de perder o protagonismo e o prestígio de ditar as regras do jogo, mesmo que isso implique em, daqui alguns anos, que sejam vistos como diretores retrógrados de um museu que impediram que a carreira de toda uma geração pudesse florescer. Eles têm todos os instrumentos disponíveis para fazer com que o discurso da “diversidade” se torne verdadeiramente prático. Resta saber se irão abrir mão de seus lugares já tão bem estabelecidos e da crença de que o ocupam por “mérito”.

Janaina: É difícil ter uma resposta concreta à respeito disso. Vivemos um momento em que conseguimos acessar diferentes produções de artistas racializados e, contraditoriamente, não sabemos sobre tudo que se tem produzido em diferentes partes do país. Destaco a importância de mapeamentos organizados por diferentes agentes não brancos sobre curadoria, produção artística, educação e crítica de arte de autoria negra realizado em diferentes plataformas. Neste sentido, fiz parte da construção de um arquivo digital de arte contemporânea de autoria negra em BH, coordenado por três professores negros da UFMG, durante meu pós-doutorado em 2019. Estes processos de interlocução compreendem epistemologias e metodologias de processo artístico, formas de trabalho, aspectos formativos de artista  e os espaços de produção. Ou, até mesmo, a atuação em si destes diferentes profissionais não brancos tensionando uma escrita de narrativa onde o mito de uma universalidade eurocêntrica reflete lacunas e naturaliza violentamente o enquadramento de um discurso esperado sobre uma presença negra camuflada numa ideia de representatividade, o que aparentemente definiria quais discursos seriam relevantes. Artistas negras e negros sempre existiram em outros períodos. Estas são algumas das armadilhas coloniais que são necessárias refletir sobre. Acredito que a articulação coletiva sem criar hierarquias como artista acadêmico ou não acadêmico permite que possamos refletir a despeito de quais estratégias nos contemplam em nossas subjetividades para que seja possível produzir arte e sobreviver dignamente produzindo arte.

 Lidia: O enfoque crescente em questões de gênero, identidade e antirracistas que têm se intensificado mais agora são essenciais para esse movimento, mas as ações de conscientização das pessoas, visibilidade desses problemas e solução têm que ser cada vez mais intensas e abrangentes.

Mariana: A forma que o elitismo é posto como valor nas artes visuais é insustentável e já passou da hora de ser revisto. Um estado de trânsito, que gere condição de compartilhar espaços de visibilidade, poder e produções de saber, é uma demanda da contemporaneidade. A perspectiva que precisamos discutir é o movimento de resistência pra manter o circuito das artes visuais como um espaço elitista.

Rosana: Essa resistência vem de uma insistência na produção e não adapta-la àquilo que o mercado quer. Nós insistimos tanto que uma parte desse reconhecimento dessa produção negra acabou vindo de fora para dentro. Fui muito mais reconhecida antes fora do Brasil do que dentro. A instituições brasileiras acabam sendo pressionadas por esse grupo que vai se impondo. Também acho que a questão das cotas é muito importante. Há uma série de artistas jovens que utilizaram o recurso das cotas. Gente com excelente formação, com um trabalho que não fica nada a dever e que vai pressionando o sistema. O sistema de arte brasileiro possui essa pressão interna (de produtores e jovens críticos) e uma pressão externa que se pergunta “onde estão os seus artistas negros?” acompanhada de um olhar de fora. Um bom exemplo é a Bienal do Mercosul, cuja curadora-chefe é a argentina Andrea Giunta, cocuradora da fantástica mostra Mulheres radicais, que trouxe esse olhar para o Brasil, para a produção negra e que fez questão de convidar dois curadores negros: Fabiana Lopes e Igor Simões. É uma aliança muito interessante entre uma curadora de prestígio internacional, que percebe essa necessidade, e os sujeitos negros dentro do Brasil. Então essa resistência começa a chamar atenção e faz com que o circuito, querendo ou não, tenha que começar a se flexibilizar e aprender a olhar para as demandas dessa população, desse grupo de artistas negros e negras que estão vindo por aí.

 Sheyla: Boa pergunta! É preciso criar estratégias, possibilidades, grupos de arte para mostrar nossa produção.  Eu faço parte de um levante de mulheres cis/trans, negras, indígenas e amarelas chamado TROVOA. A ideia do movimento é catalogar a produção, fomentar pesquisas e criar diálogos entre esses grupos de artistas de outros estados. Em 2019, fui convidada pela artista e articuladora Gabriela Monteiro a fazer uma participação em uma ativação em São Paulo que resultou  em uma grande exposição, com curadoria de Carollina Lauriano, na Galeria Baró, que trazia trabalhos que falavam sobre as questões políticas que permeiam o universo dessas artistas. Desde então trabalho de forma independente, por meio de editais, chamamentos e enviando projetos para o Sesc.  Já vendi alguns trabalhos mas continuo lecionando para compor minha renda e comprar meus materiais.

Val: A arte no Brasil é a creche onde a elite brasileira coloca seus filhos problemáticos (risos). A presença de artistAs negrAs no Brasil, com carreiras e perspectivas artísticas, é um ponto nevrálgico. A efetivação de suportes que envolvam realização e desenvolvimento das pesquisas é uma questão fundamental para que comecemos a debater sobre possibilidades de parâmetros de produção igualitária no mercado da arte, por exemplo. Diante dessas amarras, é imprescindível atentar que a profissionalização da arte envolva não só as artistas, mas toda uma cadeia (curadores, colecionadores, artistas e instituições) para promover o desenvolvimento desses artistas. Um investimento que compreende não só um componente econômico mas ações que possibilitem diálogos e que envolvam as interpretações em torno dessas produções. Tenho entendido que aquilo que realizo e produzo precisa estar no mundo e meu mundo não se reduz ao Brasil e aos fantasmas de medo e violência que o país insiste em depositar sobre mim. Nesses processo de lembrar e me deslocar tenho encontrado parcerias incríveis que vão do Piauí para o Sudão e de Nova Iorque à Gana. Recentemente, durante uma residência, tive a oportunidade de me conectar com artistas preocupados em criar imagens e imaginários respeitosos sobre nossos corpos negros. Como resultado, produzi a obra Nau Frágil, uma série de fotografias de retratos de família que apontam para uma ficção performática e imaginativa acerca dos possíveis desdobramentos da vida de uma família negra que estiveram no Amável Donzela, um navio de tráfico humano que desembarcou no Brasil entre 1788 e 1806. Eu não consigo respirar… Eu não sou resistência, eu sou uma mulher negra tentando exercer meu trabalho numa sociedade em que homens brancos tem o poder de dizer e fazer diversas atrocidades e barbaridades. Eu vivo um espaço de contradição entre sonhar/imaginar e me questionar se eu serei a próxima mulher negra a levar cinco tiros e ser silenciada ou ter meu corpo pendido de um carro da polícia e arrastado. O que existe de tão inflamável nas nossas vozes de mulheres negras  a ponto de precisarmos ser caladas?
Eu sigo tentando existir sem medo e se isso é visto como resistência, há algo muito errado pois algumas pessoas não precisam se preocupar se vão andar na rua.

Antibandeirante, de Mariana de Matos

5) Como se deu sua inserção no mercado de arte? E como o impacto no setor devido à pandemia te afetou?

 Aline: Minha inserção se deu através de chamadas públicas e editais e meus trabalhos foram mostrados majoritariamente em exposições em museus e instituições de arte. Mesmo tendo ganho bolsas e prêmios importantes, não sou representada por nenhuma galeria.

 Lidia: Comecei muito cedo como assistente no atelier do costureiro Demi Queiroz de alta-costura e, posteriormente, no atelier do artista Aldemir Martins, onde aprendi bastante sobre relações, pintura, arte e sobre o mercado de arte. Mas vamos vivendo à nossa maneira e aprendendo muito no dia-a-dia, na relação de troca com as pessoas que sempre é enriquecedora. Eu tinha algumas exposições programadas para abrir agora que tiveram que ser adiadas, mas seguimos em frente e jamais paramos de trabalhar.

Janaina: Atuo em várias frentes. Estou há quase duas décadas na área de educação e pesquisa. São vivências que me alimentam e permitem que continue produzindo a partir de diferentes ciclos de pesquisa e, recentemente, me tornei professora universitária. Sobre a minha inserção no mercado: tive a oportunidade de inicialmente ter curadores negros sensíveis como Claudinei Roberto, Rosana Paulino, Fabiana Lopes e entre outros agenciamentos que produziram importantes reflexões sobre processos artísticos em minha pesquisa. Já fiz parte de uma galeria há alguns anos atrás. Participei de coletivas em diferentes instituições a convite de diferentes curadoras(es). Tenho participado de editais em conjunto com o meu companheiro Wagner Leite Viana. Outras duas exposições que eu participaria estão em suspensão neste momento delicado. Estou neste momento participando da Bienal do Mercosul que vem acontecendo de modo virtual. Participei, também com o meu companheiro, de uma convocatória da Diáspora, galeria do Alex Tso para a formação do time inicial da galeria no final de 2019. Fomos selecionados este ano em conjunto com os artistas Edu Silva, Claudia Lara, Lucas Soares, Marcel Martins, Lacerda Diogo, Nilson Sato, Ramo Negro, Moisés Patrício e Yoko Nishio. Neste sentido, todo o processo, desde a seleção, tem sido dialógico de construção desse time. Temos produzido ao longo desse processo discussões profícuas sobre este cenário de arte contemporânea a partir de autorias racializadas ou não brancas.

 Mariana: A partir de exposições como ⦿ na Galeria Leme, (SP) em 2018, com curadoria da Catarina Duncan e SERTÃO: 36 Panorama da Arte Brasileira, com curadoria da Julia Rebouças, no MAM-SP, em 2019. Também, a partir de feiras internacionais como a Not Cancelled, que tá acontecendo agora no Brasil, em ambiente virtual, onde represento a Amparo 60 (PE). Embora exposições, palestras e projetos estejam em suspensão e alguns cancelados, tenho procurado articular outras formas de produção, como o projeto Quarantine e Birico, iniciativa coletiva de artistas visuais. Ambos projetos reinventam modelos econômicos para as artes.

Rosana: A minha inserção foi muito tardia. O primeiro escritório de arte que me representou foi o da Adriana Penteado. Depois que este fechou, fiquei um período sem galeria e, em seguida, entrei na Galeria Virgílio. Mas naquela época não havia aceitação dessa produção negra, então eu vendia muito pouco. Se, por um lado eu não fazia dinheiro, por outro isso me deu bastante liberdade para continuar as minhas pesquisas exatamente do jeito que eu queria. Eu comecei a vender mesmo quando atingi mais de vinte e cinco anos de trabalho. Como o mercado de arte me afetou? Não me afetou em absolutamente nada. Eu já estou com a minha produção bastante consolidada. Demorou muito para eu vender com regularidade, então, quando as vendas começaram a ser um pouco mais regulares, eu já estava com a poética formada. Nessa idade, não tem como. A minha poética é essa, “se quer, quer, se não quer, não quer”. O problema maior é quando você entra muito jovem no mercado e ainda não tem uma poética consolidada ou maturidade suficiente, pode se deslumbrar. Então, depois de mais de vinte e cinco anos de trabalho, o mercado não me afeta mais.

Sheyla: O marco importante foi a exposição na Baró Galeria e na sequência um convite para o Kaaysá Residency pois tive contatos com artistas importantes e a experiência refletiu bastante na minha produção.

Val: Penso que só estarei no mercado de arte quando meu trabalho conseguir emergir e gerar uma ecologia capaz de me proporcionar esses diálogos com as instituições, com meus pares nacionais e internacionais, com os curadores e colecionadores. Atualmente o que eu tenho visto é um esforço de algumas pessoas pontuais, sobretudo negras, por entender que meu trabalho é necessário dentro da construção do cenário artístico nacional. O fato que existam trabalhos meus que algumas instituições se interessem com mais afinco como por exemplo can you see it?! ou piriguete é dois reais, é pelo fato de revelarem e escancararem, de muitos modos, o exotismo em torno da minha imagem. Como artista, me interessa repetir, refazer e desfazer algumas coisas e venho testando modos e jeitos de produzir. As certezas absolutas me incomodam. É no processo de continuidade e investigação que se ancoram possibilidades que podem configurar um caminho rumo à autonomia e a maturação das reflexões de minha produção. Eu desejo assiduidade e frequência nos meus processos de criação que envolvam pesquisa, deslocamento, diálogo, incentivo e estímulos econômicos que me possibilitem outros modos de pensar e realizar.

Nau Frágil, de Val Souza (Foto: Ahmad Mahmoud)

6) As narrativas decoloniais vêm ganhando espaço tanto nos ambientes institucionais quanto na literatura. Que leitura você faz deste processo? Quais outras ações neste sentido ainda precisam acontecer?

Aline: As ações seriam passar do discurso da diversidade, da inclusão, da pluralidade para aplicação de políticas públicas consistentes e duradouras que reflitam a realidade populacional de um país de maioria negra. São várias as camadas de enfrentamento com políticas de reparação financeira e de redistribuição de renda. Então, esse sentido do que seria uma real descolonização passa por um entendimento que vai totalmente contra as políticas de austeridade, de meritocracia, de sucesso individual e empreendedorismo, da precarização das relações de trabalho. As soluções existem, mas quanto tempo irá demorar para atingirmos um consenso político da necessidade de mudança para um bem estar coletivo? Certamente a população negra desse país já esperou tempo demais por ideais de cidadania e integração que nunca foram sequer implementados.

 Janaina: Acho que é um movimento inevitável repensar outras escritas. Há um esgotamento desta narrativa universal sinalizada por teóricos da arte desde os anos 1980. O que ocorre é que se fala atualmente de uma perspectiva de uma narrativa decolonial onde, majoritariamente, o discurso e o poder de decisão continuam nas mesmas mãos. É importante rever os currículos nos diferentes processos afirmativos para a revisão da história do conhecimento e suas lacunas. Mas, é preciso ter mais professores e professoras negras e indígenas nos departamentos das universidades públicas. De que modo se dá o processo de formação e acesso de pessoas negras e indígenas neste cenário? Quais trânsitos ou formas de agenciamento dessas produções são possíveis? Quantos professoras e professores negros e\ou indígenas fizeram parte da minha formação acadêmica? Quantos são numericamente onde trabalho? Quantos curadores, curadoras, pesquisadores, pesquisadoras, artistas estão em cargos de decisão nas diferentes instituições culturais? De que modo os diálogos tem sido produzidos para que simetricamente uma narrativa contracolonial possa efetivamente ser construída? Estas são algumas questões cruciais para a leitura inicial desta cena artística para mim neste momento.

 Lidia: Muito ainda precisa ser feito, pois há imensa diversidade de culturas e identidades que precisam ser reconhecidas e respeitadas como são, sem intervenções colonialistas sobre sua interpretação. Penso que essas ações devem ser cada vez mais difundidas e diversificadas, abrangendo não somente arte mas educação, economia e sociedade no geral.

Mariana: Eu comemoro qualquer avanço no sentido de popularizar diálogos decoloniais, porque partem da luta, da resistência e vida de povos subalternizados historicamente. Contraditoriamente, percebo um excesso de academicismo e até um esforço pra “tematizar” o que penso que deveria ser uma luta ativa, não uma elaboração fundamentalmente teórica.

Rosana: Eu acho que é um processo lógico pelo reconhecimento de outras histórias de vida. A humanidade chegou ao limite em todos os sentidos, inclusive físico e ecológico, devido à todas as loucuras que foram feitas. As narrativas decoloniais, que pedem reconhecimento de histórias específicas e vivências diferentes, apontam para o fato de que esses grupos não vão mais aceitar imposições e que cabe às antigas potências ouvir essas vozes e mudar o modo como o mundo caminha. É uma questão de necessidade e de sobrevivência da espécie. Confesso que não gosto muito desse termo [decolonial], porque eu meio que vivo isso. A minha produção começa no mesmo momento em que esses termos começam a ser estudados e adotados por universidades. Mas eu não comecei porque faço parte de um movimento mas por uma necessidade de falar. O que falta ser feito? Falta, da parte de quem cometeu as atrocidades históricas, reconhecer suas responsabilidades e erros e cumprir com a parte que lhe cabe. Reconheçam seus erros porque, senão, o barco todo afunda e o ser humano desaparece.

Sheyla: Vejo como um processo que ainda tem muito a se desenrolar. O racismo nos assombra. Muitas pessoas tem receio de abordar temas ou uma programação antirracista em suas instituições por medo de discutir o assunto. Muitos acreditam que no Brasil existe a tão sonhada “democracia racial” e isso dificulta que outros reconheçam nosso lugar. Algumas instituições como o SESC felizmente nos insere em sua programação criando um lugar favorável para o debate.

Val: Minha vida, minha política, filosofia e religião são as mulheres negras com seus poderosos ventres que geraram o amor e a vida e agora vão gerar a mudança ao falar sobre si e suas experiências. A questão é: o que vocês enxergam ao ver uma mulher negra? Enquanto nossa humanidade não puder ser reconhecida, nenhuma teoria vai ser o bastante. Enquanto a vida das mulheres negras ainda for pensada como alicerce, suporte ou amparo para que outros corpos possam ter sua experiência humana digna reconhecida nenhuma teoria vai ser o bastante.

Sobre as artistas:

Aline Motta (1974, Niterói, RJ) possui bacharel em Comunicação Social pela UFRJ e pós-graduação em Cinema pela The New School University (NY). A artista combina diferentes técnicas e práticas artísticas num exercício de fabulação afetiva e crítica em torno da formação das famílias brasileiras por meio de uma pesquisa em documentos e arquivos públicos e privados, fragmentos de história oral, recortes de jornais, iconografia histórica e álbuns de família.

Janaina Barros (1979, São Paulo, SP) possui pós-doutorado pela Escola de Ciência da Informação (UFMG), doutorado em Estética e História da Arte (USP) e mestrado em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP, e é professora adjunta no Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da UFMG. Tem se interessado em processos de epistemologias e metodologias em arte contemporânea de autoria negra tendo como fonte o atravessamento de formas de saberes e tecnologias presentes em sua própria família. “São relações que vejo como indissociáveis. Na mesma medida, o que entendo por trabalho enquanto mulher, mãe e artista negra como lugar de tensão e que reflete uma estrutura assimétrica de poder”.

Lidia Lisboa (1970, Guaíra, PR) tem formação em Gravura em Metal pelo Museu Lasar Segall, Escultura Contemporânea e Cerâmica pelo Museu Brasileiro de Escultura (MuBE) e Liceu de Artes e Ofícios, além de ter estudado pintura e trabalhado como assistente do artista Aldemir Martins durante 12 anos. “Minha pesquisa envolve questões relacionadas à memória, afetos e a construção das histórias —sobretudo de mulheres— como potências significadoras de suas próprias existências no mundo”.

Mariana de Matos (1987, Governador Valadares, MG) formou-se pela Escola Guignard (UFMG) e precisou completar seus estudos acadêmicos, que via como ainda muito ancorados na perspectiva eurocêntrica, com pesquisas sobre a obra de Rosana Paulino, Rubem Valentim, Yeda Maria e Maria Auxiliadora. “Costumo dizer que me formei nas lacunas”. Sua obra exercita a tensão entre a verdade histórica e as contra-narrativas polifônicas e a investigação  da representação, a construção de imaginário, o delírio da modernidade e subjetividade negra.

Rosana Paulino (1967, São Paulo, SP) é doutora em Artes Visuais pela ECA-USP, especialista em Gravura pelo London Print Studio, Londres, bacharel em Gravura pela ECA-USP e vem se destacando por sua produção ligada a questões sociais, étnicas e de gênero. Sua prática tem como foco principal o estudo do racismo científico e da posição da mulher negra na sociedade brasileira e os diversos tipos de violência sofridos por essa população decorrentes ainda das marcas deixadas pela escravidão. “O racismo científico foi usado, por exemplo, para dominar e submeter esses corpos negros e, principalmente, delimitar esse local da mulher negra”. Sua obra se alimenta de referências diversas: de Aleijadinho, Egon Schiele à cultura aborígene australiana e livros de anatomia.

Sheyla Ayo (1977, São Paulo, SP) iniciou seus estudos artísticos nas Faculdades Integradas Coração de Jesus (Santo André, SP), uma instituição religiosa conduzida pelos salesianos e foi bolsista pela cota do Enem onde recebeu Licenciatura  e Bacharelado em Artes Visuais. “Fui uma boa aluna. Estudava de madrugada após chegar da faculdade. Durante o dia me dividia entre lecionar arte para crianças do Ensino Fundamental, cuidar do meu filho João (com 5 anos na época), os afazeres domésticos e um casamento com problemas”.

Val Souza (1985, São Paulo, SP) possui licenciatura em Educação e Dança e mestrado em Dança e vem pesquisando sobre as relações entre passado, presente e futuro numa busca por entender questões relacionadas à raça, gênero e memórias a partir da estética e dos modos de compor e criar incluindo trabalhos domésticos ou aqueles atribuídos às mulheres, como cozinhar e costurar. “A arte e a educação são lugares de encontros potentes para a criação de mundos. Não só os crio, como os habito”.