Depois, só o barulho de bombas – Ensaio Palavra-Imagem com Lubi Prates

Convidei a Lubi Prates para esta edição do Ensaio Palavra-Imagem assim que terminei de ler seu livro “Permanece,” da editora Quelônio.  Ela aceitou o convite e sugeriu -me a fotografia de uma manifestação em Minneapolis, no dia seguinte ao assassinato de George Floyd. Lubi é poeta, editora, tradutora e curadora. Tem três livros publicados (coração na boca, 2012; triz, 2016; um corpo negro, 2018); sendo o terceiro contemplado pelo PROAC com bolsa de criação e publicação de poesia e será publicado nos Estados Unidos, Colômbia, Argentina, França e Espanha, além de ter sido finalista do 61º Prêmio Jabuti e do 4º Prêmio Rio de Literatura. Tem diversas publicações em antologias nacionais e internacionais. Organizou os festivais literários para visibilidade de poetas [eu sou poeta] (São Paulo, 2016) e Otro modo de ser (Barcelona, 2018) e participou de outros festivais literários no Brasil e em outros países da América Latina. É sócia-fundadora e editora da nosotros editorial e edita também a revista literária Parênteses. Lubi Prates dedica-se a ações que combatem a invisibilidade de mulheres e negros. É ainda  doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento Humano na Universidade de São Paulo. Tá lindo demais!

levante 

1.

eles chegaram

sem dizer que vinham.

 

dizem que foi aí o começo

de tudo.

 

eles chegaram

e nós sabíamos:

 

a linguagem da água

é inconfundível.

 

a maré recuou para não sermos

uma espécie de destino,

eles ainda cuspiram até aportar e,

depois, usaram nossas lágrimas

para refazer o caminho da volta.

 

eles chegaram

e trouxeram vários tipos de morte.

 

2.

eles chegaram

sem dizer que vinham.

 

insistiram. cava-se o poço até

não haver mais o que explorar.

 

eles chegaram

e nós sabíamos:

 

a linguagem do vento

é inconfundível.

 

o céu se enfureceu com a invasão,

com as feridas que eles sempre abrem

quando chegam. depois, só o barulho

de bombas.

 

eles chegaram

e as formas de matar já eram outras.

 

3.

eles ainda chegam

sem dizer que vêm.

 

não desistem

da barbárie.

 

eles chegam

e nós sabemos:

 

a linguagem da terra

é inconfundível,

 

treme. pelo avançar

dos pés

dos cavalos

das viaturas

do perigo.

 

eles ainda chegam

e se especializaram em todos

os jeitos de matar.

 

não é apenas o nosso território que desejam,

são nossos corpos

hoje, espalhados pelo mundo.

 

 

4.

nós sabemos,

aprendemos com eles

como afiar as facas.