Um horizonte silencioso – as paisagens analógicas do dinamarquês Adam Jeppesen
Transitar pelas paisagens inóspitas do dinamarquês Adam Jeppesen é como uma imersão contemplativa e um aquietar dos olhos, receptivos ao acaso. Também o é para ele que busca, na maioria de suas obras, um contato profundo e meditativo com o entorno que habita para registrar a experiência vivida em suas imagens.
Jeppesen – que vive entre a América do Sul e a Dinamarca – está isolado com a família em La Barra no Uruguai, por conta da pandemia, não podendo mais estar no modo “deslocamento e imersão” que o atrai para executar seus projetos fotográficos.
Entre uma cabana na Finlândia ou na Suécia, e algumas imersões em paisagens desérticas pelo mundo, Jeppesen mergulhou há 10 anos na jornada solitária mais longa de sua vida. A fim de desenvolver uma nova série de fotografias, ele percorreu, do Polo Norte à Antártica em 487 dias, terrenos baldios nos quais todos os valores culturais da sociedade moderna foram se distanciando da noção tradicional do tempo.
“Eu meio que deixei esse sentimento de controle tão planejado desde o começo… A ideia era percorrer todo o trajeto de carro, mas vi que não ia rolar. Vendi o carro, comprei uma bicicleta e por meio dela fiquei muito mais conectado com o entono e com a natureza que eu estava habitando, em uma maneira mais primitiva e direta de viajar. Essa viagem foi importantíssima para me distanciar da perfeição e aceitar o acaso”, contou-me durante nosso papo na terça-feira (15).
Decidir experimentar esse período como uma maneira mais profunda de ir ao encontro a essência de seu trabalho não era algo novo para Adam Jeppesen, mas a extensão, nesse caso, foi completamente diferente. Ele locomovia-se de acordo com a lua cheia (que era a fonte de luz necessária e precisa para o disparar da câmera), sendo atravessado por histórias e pessoas, mas permanecendo na solidão, resultando em uma série de imagens melancólicas e silenciosas. Jeppesen fazia diariamente suas impressões e elas eram extremamente necessárias para confirmar suas vivências. Apenas suas fotos poderiam dizer que aquele momento realmente aconteceu.
As imagens de paisagens remotas e acidentadas são impregnadas de uma sensação de tranquilidade, reflexão e contemplação. Essa busca pela espiritualidade que se encontra na reclusão também aborda a materialidade e a transitoriedade da fotografia como objeto. A viagem foi deixando rastros e manchas visíveis nas fotografias. Cada negativo impregnado de história real e experimentada. Adam tem um interesse profundo no valor estético desses elementos imperfeitos e na busca do equilíbrio entre pureza, perfeição e dano, abandonando a paisagem física, mas permanecendo fiel à fotografia analógica. Assim, ele segue o conceito “wabi-sabi” da cultura japonesa, que é a beleza das coisas imperfeitas, transitórias e incompletas.
Jeppesen conta-me que a obsessão por registros fotográficos de paisagens desertas vem da necessidade de refletir sobre a experiência universal de perceber a existência real do mundo e do tempo. A percepção é que o mundo existia exatamente assim naquele exato momento de captação, fazendo referência ao fundamento da teoria da fotografia, de capturar o mundo em um instante preciso.
O projeto “Flatland Camp” está entre o sonho e o documental, no qual o artista se apropria de técnicas não convencionais no processo de impressão e apresentação das obras. As fotos foram tiradas com uma câmera de grande formato dos anos 1940 e alguns dos negativos foram arranhados por areia que, coincidentemente, foi parar na caixa de negativos durante a viagem. Jeppesen apropria-se das falhas de uma maneira estética consciente para adicionar uma aura de algo fugaz e inacabado às fotos.
Transitando pela fotografia, mas de forma que toda interferência se tornasse um objeto, fragmentando negativos, pontuando a paisagem com micro alfinetes… Em sua última exposição, no Museu Brandts na Dinamarca, Jeppesen absteve-se de toda imagem fotográfica para se manter puramente na escultura, resultando em uma instalação que remetia à memória e à transitoriedade de tudo na vida, em pequenos castelos de areia ou ruínas alinhados no chão.
Independentemente do suporte final, suas obras trazem uma narrativa de que nada permanece e tudo perece, trazendo o surgimento do novo, do improvável e do acontecimento não controlado. Talvez por isso suas paisagens me atraiam tanto, por levarem a essa reflexão, nem que seja de forma indireta, para os ciclos da vida, das transmutações necessárias para o dia de amanhã.