Depois da bomba, o silêncio: a sobrevivência dos armênios em Nagorno-Karabakh
O que vem depois do barulho de uma explosão? Em casa, com a família em volta da mesa na calmaria que só o domingo carrega. Depois do barulho e do tremor, o silêncio, ainda sem nome, sem rosto, sem tempo. Como um bebê que acaba de sair do corpo de uma mulher e precisa de alguns segundos para o primeiro choro. É assim que imagino os segundos seguintes a uma explosão. Depois do susto, a vida, no caso de um nascimento; e a morte, no caso de uma guerra, como essa iniciada numa manhã fria de outono em Nagorno-Karabakh há 12 dias.
Os traumas e cicatrizes que uma sociedade ganha em uma guerra e as memórias que cada indivíduo carrega são registrados há anos por grandes nomes da arte para que nunca sejam subestimados ou esquecidos. Afetam gerações, alcançam o mundo e cravam na história as tragédias de um povo, de um território. Os artistas fornecem representações visuais, lembretes do escopo e dos horrores da guerra de diferentes formas: em pinceladas, traços marcados, frames de um filme, instalações a céu aberto, fotografias…
A guerra é a ação mais destrutiva da humanidade. Sua essência é usar a violência para compelir os oponentes a se submeterem e se renderem. Para entendê-la, os artistas têm, ao longo da história, misturado cores, texturas e padrões para representar ideologias, práticas, valores e símbolos do tempo de guerra. Seu trabalho investiga não apenas as respostas artísticas à guerra, mas o próprio significado da violência. Hoje, estamos assistindo à guerra em Nagorno-Karabakh, uma república independente de maioria armênia e, talvez por se tratar de um território que poucos conhecem, usar a arte para que essa história ganhe mais visibilidade seja uma boa maneira de condenar a agressão do Azerbaijão – com apoio da Turquia – contra o povo armênio, na tentativa de capturar e transmitir os horrores viscerais dos corpos vulneráveis na guerra. Eu mesma muitas vezes mergulhei em conflitos importantes da História por meio de magníficas obras políticas nas Bienais de Veneza, Documenta, Festival de fotografia de Arles, Bienal de São Paulo…
Mas talvez isso seja para tempos depois da explosão. Enquanto a guerra acontece, é a crueza que precisa aparecer. A verdade, ainda não interpretada ou decantada. Um projeto artístico pautado pela guerra, a meu ver, só é possível depois do conflito estabelecido e resolvido. E, neste caso, eu espero que a vitória seja da justiça, dos direitos humanos, do princípio de autodeterminação dos povos, ou seja, que a vitória seja dos armênios e armênias de Artsakh, como seus habitantes chamam a região de Nagorno-Karabakh.
Na manhã de 27 de setembro, o Azerbaijão, em grave violação do Direito Internacional Humanitário, mais uma vez quebrou o acordo de cessar-fogo de 1994 e lançou um ataque não provocado, em grande escala, premeditado e planejado à República de Artsakh, usando artilharia pesada e força aérea. Com apoio turco, a ofensiva do Azerbaijão pode ser vista como uma tentativa de Ilham Aliyev de desviar a atenção dos problemas internos agravados pelo declínio econômico causado pela COVID-19 e pela queda nos preços do petróleo. A eclosão de uma guerra em grande escala no sul do Cáucaso pode ter sérias consequências não só para a região, mas para o mundo.
Tenho conversado com muitos fotógrafos e artistas que estão por lá. Por enquanto, o fotojornalismo é a comunicação possível e pertinente graças aos coletivos de armênios de imagens e alguns poucos membros da mídia internacional que estão transitando por Nagorno-Karabakh. A tarefa é arriscada. Na quinta-feira (8), três jornalistas ficaram feridos e um deles, russo, com gravidade, quando a Catedral de Ghazanchetsots foi atingida por mísseis do Azerbaijão.
A fundação Creative Armenia está com uma iniciativa incrível para incentivar artistas do mundo todo: o projeto “Artistas para Artsakh”, um fundo criativo para cineastas, fotógrafos, escritores e artistas que estão criando obras que chamam a atenção para Artsakh e seu povo. Seja em Artsakh ou trabalhando além de suas fronteiras para capturar a verdade e aumentar a conscientização, os artistas podem se inscrever para bolsas #ArtistsForArtsakh para apoiar seus projetos.
“É por meio de filmes, fotografias, literatura, música e arte que o mundo vai entender o que está acontecendo em Artsakh”, disse Garin Hovannisian, diretor-fundador da Creative Armenia.