Razão e Loucura – Ensaio Palavra-Imagem com Machado de Assis e Rivane Neuenschwander

Rivane Neuenschwander
Cassiana Der Haroutiounian

Para esta edição do Ensaio Palavra-Imagem, temos trechos de “O Alienista”, de Machado de Assis, ilustrado com obras da artista Rivane Neuensch, publicado pela Editora Cobogó recentemente. Machado de Assis, jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, publicou seu primeiro livro de poemas, “Crisálidas”, em 1864 e seu primeiro romance, “Ressurreição”, em 1872.  Em 1881, publicou em livro “Memórias póstumas de Brás Cubas”, inaugurando assim a sua fase realista. A mineira Rivane Neuenschwander aborda temas como memória, desejo, sexualidade, política e violência em trabalhos que convocam a participação do outro, seja no desenvolvimento, seja na formalização de ideias. Sua obra faz a mediação entre o íntimo e o público, o autoral e o coletivo. Participou de importantes exposições coletivas como a Bienal de Veneza (2003 e 2005), a Bienal de São Paulo (1998, 2006 e 2008) e a Bienal de Istambul (1997 e 2011). Dentre as exposições individuais recentes destacam-se O Alienista, Fortes D’Aloia & Gabriel, São Paulo (2019); Alegoria del Miedo, NC-Arte, Bogotá (2018); O Nome do Medo, Museu de Arte do Rio (2017); mal-entendidos, Museu de Arte Moderna de São Paulo (2014); A Day Like Any Other, New Museum, Nova York (2010). Só podia ser de uma potência sem fim o encontro entre esses dois grandes nomes, de diferentes tempos.

O banqueiro, Rivane Neuenschwander

“Absurdos e arbitrariedades: O alienista e o estado de exceção no Brasil contemporâneo”, de Elton Corbanezi e Laymert Garcia dos Santos, no prefácio.

Vamos assumir que o ponto de ressonância (ou seria convergência?) é a insanidade. Vamos assumir que é disso que se trata. Cabe, então, a pergunta: insanidade de quem? Agora tomando como objeto a situação brasileira atual. Onde e como localizar o caráter insano? […] Em suma, a insanidade não parece estar concentrada apenas em postos-chave das instituições, mas, antes, disseminada e generalizada. A ponto de transformar o Brasil numa imensa Casa Verde em espaço aberto, sem obstáculos institucionais maiores e sem uma autoridade como a de Simão Bacamarte que, em nome da sua ciência, traçou sempre a linha divisória entre razão e loucura, até que o traçado se esfumou em algo indivisível dentro dele mesmo.

O alienista, Rivane Neuenschwander

Ora, como lidar com isso? Contrapondo-se? Argumentando? Demonstrando a falta de fundamento? Combatendo o absurdo pelo absurdo? Há quem acredite que o melhor antídoto é mesmo o humor. E aí seria preciso lembrar do Febeapá – Festival de besteira que assola o país, livro em três volumes reunindo as crônicas que Sérgio Porto publicou originalmente no jornal carioca Última Hora, com o heterônimo de Stanislaw Ponte Preta. Ali o jornalista compilou a proliferação de imbecilidades e absurdos que se deu no rastro da redentora, isto é, da “Revolução de 1964”. Rindo do regime militar, da ignorância e prepotência que a censura exercia contra as atividades culturais e artísticas, do reacionarismo obtuso e retrógrado que grassava nas elites que apoiavam a ditadura, Stanislaw, com seu humor sardônico, merece ser revisitado, pois nele também encontramos as marcas de um arbítrio que é muito “nosso”, e que agora retorna em velocidade aceleradíssima, para não dizer galopante. Está fazendo falta um Sérgio Porto. Melhor dizendo: vamos, com certeza, precisar de um novo Stanislaw; mas que também seja um novo Machado, para dar conta da insanidade reinante.

O orador de sobremesa, Rivane Neuenschwander

E é aí que se inscreve o interesse maior da obra ” , de Rivane Neuenschwander, de 2019. Com efeito, captando múltiplas manifestações a carregar e nutrir a atmosfera insana que tomou conta do país, a artista, apropriando-se do conto de Machado e do desfile ao mesmo tempo sinistro e tragicômico de figuras da cena pública, criou um repertório de personagens que, a um só tempo, atualizam a narrativa do escritor e conferem ao festival de absurdos do Brasil contemporâneo a sua marca registrada. Assim, ali, o país se transforma no que é: uma imensa Casa Verde, povoada pelo que há de mais representativo da sociedade e das instituições, pois lá estão o magistrado, o político, o militar, o economista, o curandeiro, o líder, o investidor, o clã, o guru terraplanista, o revolucionário, a paneleira… e a morte, fechando o cortejo macabro.

O clã, Rivane Neuenschwander

Trecho – O Alienista

As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da no­breza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e qua­tro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.

– A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.

O terraplanista, Rivane Neuenschwander

Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as leituras, e de­monstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpá­tica. Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facili­dade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligen­tes. Se além dessas prendas, – únicas dignas da preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.

O capeta, Rivane Neuenschwander

 

  1. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo pro­fundo da matéria, releu todos os escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às universidades italia­nas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regíme ali­mentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de porco de Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência, – explicável, mas inqualificável, – devemos a total extinção da dinastia dos Bacamartes.

O vigário, Rivane Neuenschwander

Nisto chegou do Rio de Janeiro a esposa do alienista, a tia, a mulher do Crispim Soares, e toda a mais comitiva, – ou quase toda – que algumas semanas antes partira de Itaguaí. O alienista foi recebê-la, com o boticário, o padre Lopes, os vereadores e vários outros magistrados. O momento em que D. Evarista pôs os olhos na pessoa do marido é considerado pelos cronistas do tempo como um dos mais sublimes da história moral dos ho­mens, e isto pelo contraste das duas naturezas, ambas extremas, ambas egrégias. D. Evarista soltou um grito, – balbuciou uma palavra e atirou-se ao consorte– de um gesto que não se pode melhor definir do que comparando-o a uma mistura de onça e rola. Não assim o ilustre Bacamarte; frio como diagnóstico, sem desengonçar por um instante a rigidez científica, estendeu os braços à dona, que caiu neles, e desmaiou. Curto incidente; ao cabo de dois minutos, D. Evarista recebia os cumprimentos dos amigos, e o préstito punha-se em marcha.

  1. Evarista era a esperança de Itaguaí; contava-se com ela para minorar o flagelo da Casa Verde. Daí as aclamações públi­cas, a imensa gente que atulhava as ruas, as flâmulas, as flores e damascos às janelas. Com o braço apoiado no do padre Lopes – porque o eminente Bacamarte confiara a mulher ao vigário, e acompanhava-os a passo meditativo, – D. Evarista voltava a ca­beça a um lado e outro, curiosa, inquieta, petulante. O vigário indagava do Rio de Janeiro, que ele não vira desde o vice-rei­nado anterior; e D. Evarista respondia, entusiasmada, que era a coisa mais bela que podia haver no mundo. O Passeio Público estava acabado, um paraíso, onde ela fora muitas vezes, e a Rua das Belas Noites, o chafariz das Marrecas… Ah! o chafariz das Marrecas! Eram mesmo marrecas – feitas de metal e despejando água pela boca fora. Uma coisa galantíssima. O vigário dizia que sim, que o Rio de Janeiro devia estar agora muito mais bonito. Se já o era noutro tempo! Não admira, maior do que Itaguaí, e de mais a sede do governo… Mas não se pode dizer que Itaguaí fosse feio; tinha belas casas, a casa do Mateus, a Casa Verde…

– A propósito de Casa Verde, disse o padre Lopes escorre­gando habilmente para o assunto da ocasião, a senhora vem achá-la muito cheia de gente.

– Sim?

– É verdade. Lá está o Mateus…

– O albardeiro?

– O albardeiro; está o Costa, a prima do Costa, e Fulano, e Sicrano, e…

– Tudo isso doido?

– Ou quase doido, obtemperou o padre.

– Mas então?

O vigário derreou os cantos da boca, à maneira de quem não sabe nada ou não quer dizer tudo; resposta vaga, que se não pode repetir a outra pessoa por falta de texto. D. Evarista achou realmente extraordinário que toda aquela gente ensandecesse; um ou outro, vá; mas todos? Entretanto custava-lhe duvidar; o marido era um sábio, não recolheria ninguém à Casa Verde sem prova evidente de loucura.

– Sem dúvida… sem dúvida… ia pontuando o vigário.

Três horas depois, cerca de cinquenta convivas sentavam-se em volta da mesa de Simão Bacamarte; era o jantar das boas-vin­das. D. Evarista foi o assunto obrigado dos brindes, discursos, versos de toda a casta, metáforas, amplificações, apólogos. Ela era a esposa do novo Hipócrates, a musa da ciência, anjo, di­vina, aurora, caridade, vida, consolação; trazia nos olhos duas estrelas segundo a versão modesta de Crispim Soares e dois sóis no conceito de um vereador. O alienista ouvia essas coisas um tanto enfastiado, mas sem visível impaciência. Quando muito dizia ao ouvido da mulher, que a retórica permitia tais arrojos sem significação. D. Evarista fazia esforços para aderir a esta opinião do marido; mas, ainda descontando três quartas par­tes das louvaminhas, ficava muito com que enfunar-lhe a alma. Um dos oradores, por exemplo, Martim Brito, rapaz de vinte e cinco anos, pintalegrete acabado, curtido de namoros e aventu­ras, declamou um discurso em que o nascimento de D. Evarista era explicado pelo mais singular dos reptos. “Deus, disse ele, depois de dar o universo ao homem e à mulher, esse diamante e essa pérola da coroa divina (e o orador arrastava triunfalmente esta frase de uma ponta à outra da mesa), Deus quis vencer a Deus, e criou D. Evarista.”

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A irritação dos agitadores foi enorme. O barbeiro declarou que iam dali levantar a bandeira da rebelião e destruir a Casa Verde; que Itaguaí não podia continuar a servir de cadáver aos estudos e experiências de um déspota; que muitas pessoas es­timáveis e algumas distintas, outras humildes mas dignas de apreço, jaziam nos cubículos da Casa Verde; que o despotismo científico do alienista complicava-se do espírito de ganância, visto que os loucos ou supostos tais não eram tratados de graça: as famílias, e em falta delas a câmara, pagavam ao alienista…

– É falso! interrompeu o presidente.

– Falso?

– Há cerca de duas semanas recebemos um ofício do ilustre médico em que nos declara que, tratando de fazer experiências de alto valor psicológico, desiste do estipêndio votado pela câ­mara, bem como nada receberá das famílias dos enfermos.

A notícia deste ato tão nobre, tão puro, suspendeu um pouco a alma dos rebeldes. Seguramente o alienista podia estar em erro, mas nenhum interesse alheio à ciência o instigava; e para demonstrar o erro era preciso alguma coisa mais do que arrua­ças e clamores. Isto disse o presidente, com aplauso de toda a câmara. O barbeiro, depois de alguns instantes de concentração, declarou que estava investido de um mandato público e não res­tituiria a paz a Itaguaí antes de ver por terra a Casa Verde – “essa Bastilha da razão humana” – expressão que ouvira a um poeta local, e que ele repetiu com muita ênfase. Disse, e a um sinal todos saíram com ele.

Imagine-se a situação dos vereadores; urgia obstar ao ajun­tamento, à rebelião, à luta, ao sangue. Para acrescentar ao mal, um dos vereadores, que apoiara o presidente ouvindo agora a denominação dada pelo barbeiro à Casa Verde – “Bastilha da razão humana”– achou-a tão elegante, que mudou de parecer.

Disse que entendia de bom aviso decretar alguma medida que reduzisse a Casa Verde; e porque o presidente, indignado, ma­nifestasse em termos enérgicos o seu pasmo, o vereador fez esta reflexão:

– Nada tenho que ver com a ciência; mas se tantos homens em quem supomos juízos são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?

Sebastião Freitas, o vereador dissidente, tinha o dom da pa­lavra e falou ainda por algum tempo com prudência, mas com firmeza. Os colegas estavam atônitos; o presidente pediu-lhe que, ao menos, desse o exemplo da ordem e do respeito à lei, não aven­tasse as suas ideias na rua para não dar corpo e alma à rebelião, que era por ora um turbilhão de átomos dispersos. Esta figura corrigiu um pouco o efeito da outra: Sebastião Freitas prometeu suspender qualquer ação, reservando-se o direito de pedir pelos meios legais a redução da Casa Verde. E repetia consigo, namo­rado: – Bastilha da razão humana!

Entretanto, a arruaça crescia. Já não eram trinta, mas tre­zentas pessoas que acompanhavam o barbeiro, cuja alcunha familiar deve ser mencionada, porque ela deu o nome à revolta; chamavam-lhe o Canjica – e o movimento ficou célebre com o nome de revolta dos Canjicas. A ação podia ser restrita, – visto que muita gente, ou por medo, ou por hábitos de educação, não descia à rua; mas o sentimento era unânime, ou quase unânime, e os trezentos que caminhavam para a Casa Verde, – dada a di­ferença de Paris a Itaguaí, – podiam ser comparados aos que tomaram a Bastilha.

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Chegados os dragões em frente aos Canjicas, houve um instante de estupefação: os Canjicas não queriam crer que a força pública fosse mandada contra eles; mas o barbeiro compreendeu tudo e esperou. Os dragões pararam, o capitão intimou à multidão que se dispersasse; mas, conquanto uma parte dela estivesse inclinada a isso, a outra parte apoiou fortemente o barbeiro, cuja resposta consistiu nestes termos alevantados:

– Não nos dispersaremos. Se quereis os nossos cadáveres, po­deis tomá-los; mas só os cadáveres; não levareis a nossa honra, o nosso crédito, os nossos direitos, e com eles a salvação de Itaguaí.

Nada mais imprudente do que essa resposta do barbeiro; e nada mais natural. Era a vertigem das grandes crises. Talvez fosse também um excesso de confiança na abstenção das armas por parte dos dragões; confiança que o capitão dissipou logo, mandando carregar sobre os Canjicas. O momento foi indes­critível. A multidão urrou furiosa; alguns, trepando às janelas das casas ou correndo pela rua fora, conseguiram escapar; mas a maioria ficou bufando de cólera, indignada, animada pela exortação do barbeiro. A derrota dos Canjicas estava iminente quando um terço dos dragões,– qualquer que fosse o motivo, as crônicas não o declaram, – passou subitamente para o lado da rebelião. Este inesperado reforço deu alma aos Canjicas, ao mesmo tempo que lançou o desânimo às fileiras da legalidade. Os soldados fiéis não tiveram coragem de atacar os seus pró­prios camaradas, e um a um foram passando para eles, de modo que, ao cabo de alguns minutos, o aspecto das coisas era total­mente outro. O capitão estava de um lado com alguma gente contra uma massa compacta que o ameaçava de morte. Não teve remédio, declarou-se vencido e entregou a espada ao barbeiro.

A revolução triunfante não perdeu um só minuto; recolheu os feridos às casas próximas e guiou para a câmara. Povo e tropa fra­ternizavam, davam vivas a el-rei, ao vice-rei, a Itaguaí, ao “ilus­tre Porfírio”. Este ia na frente, empunhando tão destramente a espada, como se ela fosse apenas uma navalha um pouco mais comprida. A vitória cingia-lhe a fronte de um nimbo misterioso. A dignidade de governo começava a enrijar-lhe os quadris.

Os vereadores, às janelas, vendo a multidão e a tropa, cuida­ram que a tropa capturara a multidão, e sem mais exame, en­

traram e votaram uma petição ao vice-rei para que mandasse dar um mês de soldo aos dragões, “cujo denodo salvou Itaguaí do abismo a que o tinha lançado uma cáfila de rebeldes”. Esta frase foi proposta por Sebastião Freitas, o vereador dissidente, cuja defesa dos Canjicas tanto escandalizara os colegas. Mas bem depressa a ilusão se desfez. Os vivas ao barbeiro, os morras aos vereadores e ao alienista vieram dar-lhes notícia da triste realidade. O presidente não desanimou: – Qualquer que seja a nossa sorte, disse ele, lembremo-nos que estamos ao serviço de Sua Majestade e do povo. – Sebastião Freitas insinuou que melhor se poderia servir à coroa e à vila saindo pelos fundos e indo conferenciar com o juiz de fora, mas toda a câmara rejei­tou esse alvitre.

Daí a nada o barbeiro, acompanhado de alguns de seus tenen­tes, entrava na sala da vereança e intimava à câmara a sua queda. A câmara não resistiu, entregou-se, e foi dali para a cadeia. Então os amigos do barbeiro propuseram-lhe que assumisse o governo da vila, em nome de Sua Majestade. Porfírio aceitou o encargo, embora não desconhecesse (acrescentou) os espinhos que tra­zia; disse mais que não podia dispensar o concurso dos amigos presentes; ao que eles prontamente anuíram. O barbeiro veio à janela e comunicou ao povo essas resoluções, que o povo ratificou, aclamando o barbeiro. Este tomou a denominação de – “Protetor da vila em nome de Sua Majestade, e do povo”. – Expediram-se logo várias ordens importantes, comunicações oficiais do novo governo, uma exposição minuciosa ao vice-rei, com muitos pro­testos de obediência às ordens de Sua Majestade; finalmente uma proclamação ao povo, curta, mas enérgica:

Itaguaienses!

Uma câmara corrupta e violenta conspirava contra os inte­resses de Sua Majestade e do povo. A opinião pública tinha-a condenado; um punhado de cidadãos, fortemente apoiados pelos bravos dragões de Sua Majestade, acaba de a dissolver ignominiosamente, e por unânime consenso da vila, foi-me confiado o mando supremo, até que Sua Majestade se sirva or­denar o que parecer melhor ao seu real serviço. Itaguaienses! não vos peço senão que me rodeeis de confiança, que me auxilieis em restaurar a paz e a fazenda pública, tão desbaratada pela câmara que ora findou às vossas mãos. Contai com o meu sacrifício, e ficai certos de que a coroa será por nós.

O Protetor da vila em nome de Sua Majestade e do povo

Porfírio Caetano das Neves

A morte, Rivane Neuenschwander
João de Deus, Rivane Neuenschwander
O militar, Rivane Neuenschwander