Um pensar pedra: Mono-ha – o movimento de arte criado em Tokyo nos anos 60

Lee Ufan
Cassiana Der Haroutiounian

pensar pedra

apesar de tudo

e rochas e rochedos e picos e topos

e lajes e seixos e declives e escarpas

e torsões e sobras e erosão

restos de pedra domesticada em ruas

mesas lápides chãos quem escultura

lamentos de poeira

urros vulcânicos

pedra

Lee Ufan

“O que estou procurando é [gerar] uma experiência através da sua percepção e evocar algo diferente do que vemos no mundo normalmente – algo original, poético e transcendental”. Lee Ufan, artista sul-coreano radicado no Japão.

Representar a essência dos materiais, pensando em elevar suas potências absolutas em instalações únicas e efêmeras, sem nunca se repetir completamente é parte do manifesto do movimento artístico Mono-ha -もの派 – (traduzido literalmente como “escola das coisas”), surgido já como contemporâneo em Tóquio no fim dos anos 1960.

Lee Ufan

A pedra é um dos elementos mais importantes de todo o movimento. Ela é a mãe de tudo e permite ao homem a sociedade industrial. Uma massa que data o tempo geológico da terra. Também o aço, feito a partir dos elementos minerais retirados da pedra.

“Quando criança, eu me deitava entre as pedras da margem quando estava cansado de nadar no rio, eu e as pedras nos tornávamos um com o céu.” Lee Ufan

Kishio Suga, na galeria Mendes Wood

O movimento japonês Mono-ha, usando muitas vezes materiais orgânicos e industriais, foi inicialmente formado por Lee Ufan, que tinha acabado de se graduar em filosofia, e escreveu sobre a escultura Phase – Mother Earth (1968) de Nobuo Sekine. Os integrantes do movimento compartilhavam interesses como rejeitar a arte representacional e se esforçavam para alcançar expressões autênticas da essência dos materiais além das qualidades superficiais. Outros artistas japoneses foram agregados ao movimento, sendo muitos frequentadores da Tama Art University, em Tóquio. Além de Ufan, muitos deles eram escritores ávidos, utilizando a teoria estética para contrariar as suposições do minimalismo ocidental.

Phase Mother Earth, 1968, Nobuo Sekine

pedra armadura para vento

praia
deserto com mar
deserto

praia sem mar

água faz diferença
pedra seca dura
árida ríspida rígida
olhar seco estanca
lágrimas
saudade de umidade
noite
copo que engole luz
sombra deságua
noite esparrama tentáculos
desperta inacabados
portas e janelas de casa
cerrada
serrada

este é um olhar que desarma

Phase of Nothingness, 1969, Nobuo Sekine

Os artistas Mono-ha imaginaram a arte como um projeto experiencial, enfatizando a fisicalidade ao invés da opticidade. A obra de Mono-ha desobjetificou essencialmente o material e descentrou o homem como sujeito da arte. Talvez um dos percalços mais comuns dos escritores contemporâneos seja identificar o Mono-ha como um movimento derivado da arte minimalista convencional. Enquanto os artistas japoneses eram frequentemente mostrados ao lado de seus contemporâneos ocidentais em contextos internacionais, Mono-ha era decididamente não-humanista e abordava o material e a pureza das formas de maneiras muito diferentes dos artistas na Europa e na América.

Kishio Suga

O movimento, de curta duração,  questiona o antropocentrismo e ultrapassou os limites entre o observador, o objeto e o local e, consequentemente, entre o homem e a natureza. Ele propõe reconsiderar a relação entre a natureza e a humanidade olhando para ambas e se preocupa com o processo de revelar sempre em termos concretos essa diferença de sensibilidade, como cada um de nós pensa sobre essas coisas, com as séries de coisas e fenômenos inexplicáveis que existem no espaço que habitamos.

Kishio Suga

e céu e céu e céu o seu eco

para onde o topo de pedra aponta
céu toalha de mesa
palco da dramaturgia
rasurada pelo vento
vento assopra ares
água de nuvem
escorre por dentro
nuvem em fresta de pedras
vapores emanam de pedras
pedras agitam os nervos
brumas de manhã
brumas da manhã
às alturas
torpor leve estende
do chão para o alto
espreguiçando vento sem fôlego
céu grande
tela translúcida de sessão contínua
cinema a céu aberto
ar e fogo e vento e lava
e pedra eleva seu peso
à potência de porção de eternidade
poção da eternidade

este é um olhar que assombra

 

Lee Ufan

Eles acreditavam que o artista não cria, mas adiciona um gesto as obras, modificando algumas partes, apresentando as coisas como elas são, numa tentativa de minar essa modernidade e a ideia de mostrar o mundo como ele é. Eles se interessaram pela relação entre o homem e o material, sem ênfase na autoria. Essa rejeição por parte dos artistas Mono-ha também envolveu a rejeição do crescente mercado de arte moderna, como pode ser encontrado nas composições lúdicas, performáticas e muitas vezes acidentais, questionando profundamente o modernismo ocidental e suas motivações humanistas.

Nobuo Sekine

“A arte não deve envolver-se com o universo do homem, mas com a essência do verdadeiro universo que inclui o homem.” Lee Ufan

Lee Ufan

Uma crítica que Ufan faz a arte moderna é de que ela é ocular e perde a relação com o mundo externo. Uma arte que começa e termina no olho sem passar pelo mental. A ideia dessas obras Mono-há é uma conversa entre a sociedade moderna e a natureza, na intensificação da propriedade de cada coisa, numa relação de alteridade em que o artista constrói. As coisas não são fixas, o mundo não é estável. Tudo está o tempo todo em um constante devir.

 

*todos os poemas acima, são do livro “A pesar, a pedra” de Edith Derdyk.