Infinitude movente – uma coleção de nuvens na arte contemporânea para refletir sobre o tempo
“Vamos sonhar com o efêmero, e demoremo-nos um pouco mais na formosa tolice das coisas.” Kakuzo Okakura
Sempre estive desperta a pequenos rituais diários que permitissem a porosidade das coisas, a tempos suspensos, vividos segundo por segundo em seus micro acontecimentos, respeitando os brilhos, as sombras, os aromas e todas as mutações que o tempo carrega. Talvez, desde o início da pandemia há um ano, cada mini ritual tenha mais importância a cada dia que passa entre o ontem e o amanhã. Octavio Paz define: “instante privilegiado da corrente temporal, ungido com uma luz especial. Nesse aqui e nesse agora algo principia. O tempo cronológico sofre uma transformação decisiva: cessa de fluir, deixa de ser sucessão instante que vem depois e antes outros idênticos e se converte em começo de outra coisa.” Observar os ciclos que se formam ao nosso redor e deixar que nos atravessem em forma de imagem, palavra ou de um profundo suspiro.
“O presente é a infinitude movente, a esfera legítima do relativo… O taoísmo aceita o mundano conforme é e, diferentemente dos confucianos e dos burgueses, tenta encontrar beleza em nosso mundo de angústia e inquietude. ” Kakuzo Okakura
Há duas semanas participei do Curso-Experiência “Chanoyu – a essência da arte do chá“ com a Erika Kobayashi na plataforma Momonoki. Dois sábados de tempos suspensos com um apanhado de conceitos importantes da cultura japonesa que se expressam através da cerimônia do chá, passando por aspectos históricos, filosóficos e estéticos refletidos pelo olhar contemporâneo de Erika, que começou a estudar a cerimônia do chá em 2011. Mestre em Sociologia pela Sorbonne, ela faz parte do “World Tea Gathering“, grupo de artistas que compartilham a essência da cerimônia do chá no mundo contemporâneo, tendo feito performances em diversas capitais desse mundo. Eu precisaria de anos para entender todas as sutilezas e nuances que permeiam o universo do chá, mas essas duas aulas já foram um bálsamo para o meu ser-sensível abrir-se à porosidade dos pequenos acontecimentos.
“A utilidade de um jarro de água está no vazio onde a água pode ser posta, não na forma do jarro ou no material de que ele é feito. O vácuo é todo poderoso porque tudo contém. Só no vácuo o movimento se torna possível. Aquele que fizer de si mesmo um vácuo, no qual outros possam entrar livremente, se tornará dono de todas as situações. O todo sempre domina a parte.” Kakuzo Okakura
Habitar a morada do vazio que abriga um impulso poético, leva ao vácuo que tudo contém, criando rituais que atravessem a poeira do mundo que chamamos de cotidiano. A sala do chá é como um refúgio para o viajante, da mesma forma que o corpo é um refúgio viajante para a alma. Kazuo Ohno, o maior nome do butô, diz para não termos receio do nada, da pausa, do silêncio, pois o espaço vazio é um espaço cheio e é nele que precisamos submergir.
“O aposento do chá era um oásis no monótono deserto da existência, um lugar onde viajantes exaustos podiam se encontrar para beber dessa fonte comunitária que é a apreciação da arte.” Kakuzo Okakura
Com isso tudo voltei ao meu “O livro do chá”, de Kakuzo Okakura, para pensar esses conceitos japoneses e relacionar com a arte. “Mas são conectados?’ vocês podem se perguntar. Na minha forma de enxergar arte, sim. Cada artista cria seus pequenos rituais para se conectar ao processo criativo. Cada espectador também, para aguçar o sensorial, abrir canais e penetrar no significado de cada obra ou simplesmente observá-la por horas. O caminho que uma obra percorre até cada um de nós é único e reverbera de acordo com o nosso repertório. Apesar de se propor uma experiência coletiva, quando se está no presencial.
Diante dessa experiência e desses devaneios, decidi fazer uma seleção de imagens de nuvens de diferentes artistas para ilustrar o tempo: algum tempo, nosso tempo ou a ausência dele. Talvez seja um convite para visitar o avesso de todas as coisas e a imensidão íntima das pequenas coisas. Estar presente no aqui-agora e a apropriação do devir.