PRESENTE, a revista de correspondências de Paulo Miyada e Anna Maria Maiolino
Uma troca de correspondências entre Paulo Miyada e Anna Maria Maiolino permeada por afeto e pela necessidade de comunicar, primeiramente publicadas no Entretempos, desdobrou-se em uma publicação online trimestral chamada PRESENTE, lançada hoje, 21 de abril. A palavra ‘Presente’ tem pelo menos três sentidos: o tempo-agora, concomitante a tudo que acontece (ou apesar de tudo); o presente do ser/estar em algum lugar; e a dádiva, o dom, diretamente ligados ao gesto artístico. PRESENTE, a publicação, é um abrigo neste olho do furacão que nos convida a pensar.
Na última sexta feira conversei com os dois e fui invadida por uma onda de afeição e vontade de trocar, valores fundamentais para tempos como estes.
A troca de cartas inicial aconteceu sem o intuito de serem publicadas. Mas o interesse de continuar compartilhando trocas com um possível e hipotético leitor fez com que, no final do ano passado, Maiolinoprocurasse Miyada para criarem algo que não se rendesse à apatia, à depressão e ao medo. Na primeira fase da quarentena, quando várias chances de arte foram adiadas, ele havia começado a escrever cartas para artistas. “O que significa ser artista se não há esse diálogo com o mundo?”, perguntou-se. E a primeira que respondeu, fervorosamente, foi Maiolino.
A dupla decidiu então se corresponder com outros artistas e pensadores, como Tania Rivera, Dalton Paula e Lisette Lagnado. Todos sentiam a necessidade do diálogo e da troca. O lar da publicação é o campo das artes visuais no Brasil, mas está totalmente aberta a aventuras longe de casa. A revista será publicada em português e será acompanhada de traduções em inglês. Tania e Anna e Paulo e Dalton já conversaram muitas vezes na vida. Paulo e Lisette, por outro lado, nunca tinham trabalhado juntos. Algumas conversas são uma oportunidade para permitir uma troca necessária. As vezes parece que lidamos com temas subjetivos e quando os compartilhamos percebemos que eles têm um alcance maior do que imaginamos.
“É como se fosse um novelo que começa com uma linha entre dois pontos. Essa linha triangula, se tece numa cama de gato, cria um monte de diagonais… Todas as conversas e textos formam um emaranhado em que as linhas se atravessam e entralaçam suas singularidades”, define Paulo. Esses pontos cruzados e atravessados entre os participantes são impressos em um projeto gráfico simples e direto, que traz também poemas, ensaios e imagens de autores como Edimilson de Almeida Pereira, Úrsula K. Le Guin e Castiel Vitorino Brasileiro. Junto a esse material, as cartas são reunidas, editadas, diagramadas para formar um conjunto que se torna uma edição. Os dois propositores fazem uma metáfora com a energia que se deposita ao preparar uma refeição, adicionando cuidado e intenção. A revista carrega o ato de doação da palavra, numa tentativa de conservar a filosofia de doação/dádiva na escrita e no futuro.
Ao ser redigida, uma carta se impregna do presente. Na revista, esse marcador de tempo faz parte do projeto gráfico. Quando essas conversas levam o seu próprio tempo, também absorvem as durações das angústias, das hipóteses e dos afetos e se tornam uma espécie de índice. A carta possibilita a possibilidade do retorno ao que foi escrito. Há um chamado quase poético ao relê-las. Elas possuem a fragilidade e a porosidade do tempo. Os artistas pretendem convidar o leitor a se colocar no lugar de quem escreveu e pensar no que responderia, acessando suas subjetividades.
Miyada e Maiolino nunca se preocuparam com um tema específico para a troca de correspondências, mas há uma coisa que várias delas trazem: para viver um presente pleno, é preciso ter direitos. Algumas das violências mais brutais que experimentamos são a eliminação de qualquer perspectiva de futuro ao negarem o nosso direito à memória. Vivemos uma tentativa de apagamento das histórias indígenas e negras, um apagamento das nossas origens, das nossas lutas por democracia e liberdade. Há uma perda de horizontes passados e futuros e o que sobra não é mais o presente, é uma existência anestesiada. Só é possível viver o presente sonhando com o futuro e rememorando o passado. Sem isso, sobram apenas Pessoas Físicas, não seres humanos.
“Esta publicação foi uma forma de sonhar. Para sonhar era preciso mergulhar nessa dor. Não existe um tema, nem algo que precisa ser dito. Se alguém escreveu é porque sente que necessita, e assim segue a troca. A liberdade com uma ética constante.” Afirma Maiolino.
Disponível em www.presentepresente.com, a revista é gratuita e pode ser distribuída livremente, desde que sem fins lucrativos. Caso deseje escrever correspondências para edições futuras, envie sua proposta para: contatorevistapresente@gmail.com.