Um corpo apocalíptico – resistência, angústia e presença

Clara Giaminardi
Cassiana Der Haroutiounian

“A reação catastrófica, que no homem se manifesta como angústia, não seria o fim, porém a condição para um novo começo”

– Peter Pal Pelbart, O Avesso do Niilismo, p. 41

Weronika Izdebska

Olhos vidrados. Corpos em combate. Escuridão. Pulsa. Pulsa no vazio, na dor, no não ver, não saber, não ser. Um outro estar, no escuro, na brutalidade de um hoje efêmero. Pulsa. Veias abertas em angustias, desejos, medos e aflições. Pulsa.

Helen Sobiralski

Um momento, um lugar, uma existência que agoniza sem chegar ao fim. A incapacidade de transitar em fluxos controlados. O esgotamento como o último suspiro. O desgarramento, o desmoronamento, o deslocamento radical das forças que sustentam o real.

Moritz Jekat

A vida esgotada visível e não apreendida é nosso campo de batalha. Esse é o afeto dominante de nossos tempos. É preciso voltar a dominar o hoje e o amanhã. Dominar nossos corpos e a matéria que nos habita por inteiro, neste presente dilatado. Sermos presença, com voz, força e unicidade, potência absoluta em ser e estar, nessa condição de existência ao chegar no limite de si mesmo, na beira do abismo e atravessá-lo. É a realidade que se esgota e se racha! As fissuras causam barulhos ensurdecedores e vazios. É possível o silêncio nos rachar os ouvidos?

Suzie Howell

O tolerável torna-se intolerável. Do esgotamento nasce o impossível. Do fim de tudo que conhecemos nasce o que ainda não sabemos, aquilo que ainda não temos palavras para descrever. A face da existência se rasga, as máscaras caem, vem à superfície o anômalo, o indizível. Onde estão as linhas de fuga para fazer fugir o estado de profundo esgotamento? Estamos à espera, observando cuidadosamente. Nosso objetivo é que os escombros da sensibilidade esgotada encontrem um novo modo micropolítico de afetar e ser afetado. É do esgotamento dos possíveis que brota o impossível.

Chrissie White

“Assistimos impotentes ao reaparecimento do pensamento apocalíptico, porque a ciência e a cultura da razão ainda não conseguiram encontrar uma mitologia que possa competir com o encanto do fim”. Ian McEwan, blues do fim dos tempos.

Melissa Schriek

O esgotamento pode ser a partida do ser dentro da própria existência. A angústia como resultado amargo de uma impossibilidade de reinvenção, exigindo do homem uma morte constante em um eterno devir.

Malin Bulow

“Trata-se de uma redistribuição dos afetos que redesenha a fronteira entre o que se deseja e o que não se tolera mais. Ora, não se poderia usar esse critério igualmente para diferenciar as formas de vida? Uma vida não poderia ser definida também pelo que deseja e pelo que recusa, pelo que a atrai e o que lhe repugna?”

– Peter Pal Pelbart, O Avesso do Niilismo, p. 412

Evelyn Bencicova

É preciso estar desperto para todos os processos de transmutações sensíveis que os momentos de crise propiciam, de recusa subjetiva e de afirmação ética, isto é, de criação de novos modos de existência. Esse contexto insinua uma metamorfose antropológica e exige do pensamento outro estilo de nomear os encontros da vida e no entendimento absoluto do que força o corpo, por dentro e por fora, a pulsar. O corpo produz significados, quer queiramos quer não. Ele quer pulsar, mesmo preso, confinado, isolado e deseja que o outro pulse junto, ainda que distante, em sístoles e diástoles coletivas. O corpo reage, rebelde, à pretensa autossuficiência que nossas mentes criam, quer transgredir os espaços aos quais o confinamos. O corpo quer criar, se mover, se expressar, estar na natureza, ser parte integrante dela, ser morada e ser oficina das nossas mentes. Nossos corpos são os nossos home offices e cada ser humano estará para sempre em quarentena consigo mesmo. Não há vacina para o desejo de um corpo pulsar com outro.

Melissa Schriek