Ficções Coloniais – Denilson Baniwa na nova edição da revista ZUM, do Instituto Moreira Salles

A convite da ZUM, o artista Denilson Baniwa concebeu um trabalho inédito para a revista que será lançada hoje, (quinta-feira) em uma live às 18h, transmitida nos canais de YouTube e Facebook da ZUM. Haverá um debate com Allan Weber e Lita Cerqueira. Na série “Ficções coloniais, Baniwa faz intervenções irônicas em fotografias dos povos indígenas feitas por Theodor Koch-Grünberg no século XIX, inserindo ícones da cultura pop, como King Kong, E.T. e Alien. Numa inversão de perspectivas, o artista comenta os processos de expropriação das culturas nativas: “O mundo ocidental imagina ataques alienígenas que destroem gente e cidades porque foi isso que fez ao longo dos tempos e teme um revide histórico. Pois, para os diversos povos originários deste planeta, um dia os alienígenas foram o mundo ocidental.” 

Na semana passada, planejamos uma conversa que no final acabou virando um minipapo, quando sugeri a ele que escrevesse em um texto corrido sobre esse novo ensaio feito para a ZUM partindo de algumas palavras e sentimentos: pop x tradição, expectativa x realidade, alienígenas x humanos, fotografia como janela da alma, fotografia x cinema, memória x futuro, tempo-espaço-hoje, terminando com a frase: “como você está hoje, no meio de tudo que vivemos, sonhamos, lutamos e acreditamos?”

Ficções Coloniais, de Denilson Baniwa

Denilson:

Quando o Thyago Nogueira, editor da Zum! me convidou para participar do projeto, senti uma continuidade das conversas que já havíamos feito em outros momentos, a exemplo do convite para o Projeto IMS Convida, onde tecemos assuntos como imagética e povos indígenas e surgiu a ideia de trabalhar com os registros fotográficos do Theodor Koch-Grünberg, etnólogo e fotógrafo alemão. Não por acaso, eu escolhi trabalhar com estes registros, Koch-Grünberg tem uma importância muito grande para o território onde eu nasci, região do Rio Negro, interior do Amazonas.

Dentre as centenas de registros fonográfico, fotográficos, gravuras, diários e entrevistas, uma se destaca e que de certa forma mudou o Brasil: o diário de Koch-Grünberg onde Mário de Andrade retirou as anotações para criar a personagem Macunaíma, que acabou virando o famoso livro e posteriormente filme, que ainda hoje repercutem em lugares tão distantes tanto nas mesas de um boteco no Rio de Janeiro quanto nas salas de aulas da USP.

Trabalhar com as fotografias deste etnólogo alemão é dialogar e navegar em dois aspectos caros a mim: o Eu pertencente ao milenar povo Baniwa e o Eu urbanoide que ama cinema, quadrinhos e fotografia.

Sou de uma geração de indígenas que viram o surgimento do Brasil Novo, da Constituição Cidadã, da abertura do país. Da geração que viu a chegada de aparelhos tecnológicos e que teve acesso a educação formal, fora da educação católica violenta dos Internatos Salesianos no Rio Negro.

Junto com outros da minha idade, também fomos os que tiveram contato com uma educação que retroalimentava a ficção colonial, o que chamo de lavagem cerebral do Estado. Eu cresci aprendendo com os mesmos livros escolares que alunos do Sul ou Nordeste acessavam. Fui convencido que Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil e os índios precisavam sem integrados à sociedade para que virassem de cidadãos reais.

Coisas da construção de um país de massa homogênea e segregada, onde cabe o discurso das “três raças que construíram o Brasil”, onde não cabe as identidades próprias destas “raças”.

O trabalho “Ficções Coloniais” bebe basicamente na metáfora e no sarcasmo. Essa tem sido minha resposta ao mundo da arte, da Academia e ao Estado. Ser cínico, irônico, malicioso e cheio de mágoa transmuta tons de humor em verdades que são duras demais pra dizer seriamente sem perder a compostura.

Indígena significa pelo dicionário, aquele que é originário do lugar, o nativo; seu antônimo é alienígena, aquele que é estranho ao lugar, forasteiro. Trazer para o Sci-Fi foi o modo de desumanizar o invasor e ao mesmo tempo disparar no citadino algo que fosse um gatilho emocional. Todos nós crescemos com dois criadores de ficções: a educação ocidental e a televisão. Transformar o descobrimento do Brasil em invasão alienígena, foi o modo que encontrei de contar a construção colonial deste país.

Noutro tempo fiz uma série de trabalhos chamados “ídolos profanados” uma espécie de iconoclastia quando percebi que as pessoas que eu admirava na juventude não eram da minha comunidade ou povo indígena, e sim atores e atrizes de Hollywood. Pra mim pegar este meu lado-branco e rasurar, também é um modo de reafirmar quem eu sou: indígena e amazônida. Foi o momento em que me percebi como metade Baniwa e metade criação colonial.

Eu não vou deixar de amar o cinema ou a fotografia. Mas, posso fazer esse trabalho iconoclasta com esta parte minha. E como roteirista da minha própria ficção juntar os dois mundos, como Makunaima ou Ajuricaba, que viveram também nos dois mundos.

Já que não posso apagar do cérebro Koch-Grünberg, George Lucas, Spielberg etc. Posso pegar essa bagagem da cultura pop e indigenizar por meio de metáforas e a partir daí fazer quase remakes do Lugar de onde eu olho as coisas. É o roubo do roubo, o pastiche, a sátira onde o “descobridor do Brasil” é o cara que escraviza o King Kong dentro de sua própria ilha e depois leva pra exibição como aberração do “Novo Mundo”, como fizeram com os Tupinambás em 1562.

Ao mesmo tempo que jogo com a provocação ao mundo, me coloco neste lugar do indígena crescido com a televisão como co-educadora. É uma forma de dizer: reconheço a minha parte colonizada e tudo bem, este é o indígena do Séc XXI. E que sorte que ainda consigo contar histórias do meu povo ao mesmo tempo que posso contar como é viver no mundo fora da aldeia.

 

Ficções Coloniais, de Denilson Baniwa
Ficções Coloniais, de Denilson Baniwa