Ensaio sobre nada – Ensaio Palavra-Imagem com Carola Saavedra e Ismail Zaidy
Convidei a escritora brasileira nascida no Chile, Carola Saavedra para mergulhar com palavras nas imagens do marroquino Ismail Zaidy. Inspirada por Clarice, Cortázar e Bolaño, Saavedra é autora dos romances Toda Terça (2007), Flores azuis (2008, que ganhou o prêmio de melhor romance pela APCA), Paisagem com dromedário (2010, prêmio Rachel de Queiroz), O inventário das coisas ausentes (2014), Com Armas Sonolentas (Companhia das Letras) e acaba de lançar “O mundo desdobrável” pela editora Relicário. O fotógrafo Ismail Zaidy é autodidata. Com fotografias silenciosas e com elementos minimalistas de sonho inspirados em sua cultura e vida cotidiana, pretende minimizar os estereótipos associados ao seu país, além de criar imagens esteticamente muito sublimes e potentes. O encontro entre os dois foi super azeitado e rendeu um texto que nos faz refletir sobre a vida, a morte e o nada.
Ensaio sobre nada
Cada vez me afasto mais de mim. Não é algo que me incomode, essa distância. Ao contrário, encaro a minha ausência com grande alegria. Não mais precisar existir. Ao menos não dessa maneira insistente. Histriônica. Existir como quem pula gritando no abismo, huaaaaaaááá. Existir em furta-cor. Não, agora apenas uma existência mínima. Existo minimamente, em silêncio. Caminho imperceptível. Não, não é a morte, que a morte é uma espécie de escárnio. Falo de outra coisa.
Leio os cartazes nas ruas:
Encontre o seu verdadeiro eu
Ganhe auto-estima
Ame-se
Como conseguir tudo o que você sempre desejou
Trago o seu amor em três dias
Uma cigana lê a minha mão. Ela diz, que estranho, nunca vi nada assim, essa mão não tem futuro. Também não tem passado. O que faço, eu lhe pergunto. É preciso desenhar novas linhas. A cigana vai embora. Eu pego uma caneta e desenho um contorno, depois linhas na palma da mão, a linha da vida, a linha do destino, do amor… desenho símbolos indescifráveis sobre a linha do amor.
Pronto.
Passam-se três dias e três noites.
Já não me amo. Para horror de muitos. Me deixo ir. Olho para dentro de mim mesma e não encontro nada. O âmago. Olho para o âmago e o sol brilha intenso sobre os meus olhos. Feito pequenos brilhos numa pedra. Dentro da pedra não há escultura, dentro da pedra não há nada, apenas espaço vazio por onde enxergo a paisagem, o vento que sopra a copa das árvores, as águas de um rio, as estações do ano e o tempo que volta e volta e volta. Dentro da pedra há somente pedra ao redor de tudo o que há. Mundo. Não, não é a morte. Ao contrário, é a vida.