De volta para o futuro

DAIGO OLIVA

Que época curiosa, vejam só.

Dia desses, navegando pelo site de algumas editoras que gosto, me dei conta de que a retomada das publicações de fotolivros criou uma situação um tanto quanto anacrônica para a produção de fotografia contemporânea brasileira.

Cada vez mais, os fotolivros são concebidos com formatos muito particulares de leitura, desenhos e montagens que influem diretamente no resultado final da obra. Vamos caminhando para a direção em que fotografias soltas, sozinhas, em nada representam aquilo que o artista quer comunicar.

Ou seja, o simples contato com imagens jogadas na internet já não sacia a compreensão sobre os trabalhos.

Um amigo geólogo –que se interessa demais por fotografia– me indicou um livro chamado “Mandy and Eva”, lançado recentemente pela holandesa Willeke Duijvekam. Não se trata de um livro, mas de dois, lidos ao mesmo tempo e sobrepostos. Entendeu? Pois é.

“Mandy and Eva” conta a história de duas meninas transgêneras. O livro é construído de forma que as duas narrativas sejam entrelaçadas. Você abre a publicação e ela se “esparrama” em duas –a página de um dos livros é sempre intercalada com a página do outro. Mesmo que o vídeo abaixo explique o processo, está claro que a publicação é uma experiência sensorial que deve ser lida fisicamente e não por uma tela de computador.

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Os exemplos dessa percepção sensorial são muitos. “(based on a true story)”, de David Alan Havey, a coletânea “Latino/US Cotidiano”, lançado pela editora mexicana RM, “Paloma Al Aire”, de Ricardo Cases e até o gigantismo de “Hustlers”, de Philip Lorca diCorcia.

Todos eles têm particularidades que necessitam de um esforço maior do que apenas uma passagem, ainda que demorada, de cliques virtuais. O contato físico se faz necessário para entender todas as suas nuances.

Quando falo sobre situação anacrônica para a produção contemporânea brasileira é porque o panorama nacional é, de fato, em total descompasso com o que vem sendo feito fora do país. Exceto poucos exemplos de publicações como “Sobre São Paulo”, de Claudia Jaguaribe –uma folha única que se desdobra em 20 metros– e “1990” do brasileiro quase norte-americano Marcelo Krasilcic, em que dois livros são grudados por um ímã, pouco é produzido e explorado dentro do novo universo dos fotolivros.

Vale ainda lembrar de “Desaudio”, de Lucas Lenci, que vem acompanhado de uma “capa acústica” e o esmero e cuidado de Gui Mohallem com “Welcome Home”. Mas, mesmo que existam outros exemplos, é fato que a produção, em geral, ainda é muito tímida e fraca. Pouco ousamos em nossas publicações, pouco saímos do tradicional “cubo branco”, em que as páginas de um livro de fotografia são tratadas apenas como elementos bidimensionais.

Estamos deixando de explorar diferentes tipos de lombadas, texturas, papéis, cortes e formas de perceber os fotolivros. É muito pequeno limitar a experiência de um impresso ao simples ato de virar páginas.

O que falta então? Bons designers o país tem aos montes. Bons fotógrafos também. Boas editoras? Especializadas em fotografia são pouquíssimas. Mas o caminho então é a autopublicação, ora bolas. Talvez falte uma cultura de publicação que atravesse a barreira do fanzine independente.

Talvez, ainda, o que falte é público consumidor, mas aí é outra história triste.

O anacronismo também se encontra na distância. Faltam livrarias que tragam esses fotolivros com maior rapidez para o país. Demorar três meses para receber uma obra, ainda que seja comprada pela Amazon, faz lembrar de um mundo sem MP3 e torrent. Acompanhar os lançamentos pela internet, sabendo de todas as possibilidades físicas que uma publicação impressa pode oferecer, é quase como um cachorro diante de um forno de padaria.

Não se trata de copiar o que acontece lá fora apenas para estar na onda. É criar uma cultura própria de publicação de fotografia, até mesmo para gerar algo genuinamente original (e nacional).

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Comentários

  1. Infelizmente, temos no Brasil, um altíssimo custo de impressão e muito pouco ofertas de papeis e acabamentos pelas gráficas.
    Além disto, boa parte dos livros são produzidos via leis, que tem pouca flexibilidade a custos exacerbados de impressão (com certa razão de ser).
    E, como cereja do bolo, um baixíssimo índice de compra de livro impressos.
    Acho realmente uma pena, pois como já citaram temos ótimos profissionais em nosso país!

  2. Talvez falte uma “naturalidade dos acontecimentos”. Parece que tudo é um enxerto do que acontece fora do país. Isso incomoda um pouco. Lembro de ter visto, onze anos atrás, uma livraria que trabalhava somente com livros-de-artista e edições limitadas no centro da capital alemã. Todas as edições eram bem finalizadas e acessíveis ao público. Demorei pra entender “o que era aquele lugar” e como aquilo apareceu dentro de um prédio em ruínas. Era algo realmente simples e natural.

      1. Penso também que boa parte dos fotolivros está sendo importada apenas para decorar apartamentos chiques… Um amigo, fotógrafo de natureza (dos melhores que já vi em ação), a pelo menos dez anos corre atrás de patrocínio para imprimir seu belíssimo trabalho em papel couché, com Lei Rouanet e tudo…

  3. Questões como canais para divulgação e promoção, uma parcela nos custos dos livros, devem ser consideradas.

    Vejam os filmes “arrasa quarteirão” divulgados e promovidos pela premiação do Oscar.

    O livro, como filmes, músicas, shows,…,não é diferente: a venda é proporcional à promoção, divulgação e canais de distribuição.

    Visitem http://www.claudiolobo.com.br e vão encontrar o livro “Geometria Urbana”.

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