Série sobre chefs renomados agrada porque não fala apenas sobre comida

DAIGO OLIVA

Nunca cozinhei na vida. Assim como me recuso a aprender a dirigir, faço parte daquele grupo que lava os pratos e arruma a cozinha. Nos últimos dias, porém, passei a me interessar pela história de cozinheiros e seus restaurantes, graças a série “Chef’s Table”, lançado há pouco tempo pelo Netflix.

Em seis episódios, a primeira temporada do seriado percorre a trajetória de chefs da Itália, Suécia, Estados Unidos, Argentina e Nova Zelândia. Além do roteiro tradicional, que vai desde a infância até o auge, todos os perfis se concentram no ponto de virada de suas carreiras –de que maneira, em um certo momento, foram obrigados a se descolar da burocracia gastronômica.

Massimo Bottura, por exemplo, que hoje ocupa o segundo lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, atribui à sua mulher, Lara, o estalo que o fez modernizar a comida italiana. Embora não fosse um entusiasta de arte, ele acompanhou a mulher à Bienal de Veneza, em 1997, na tentativa de ver algo que clareasse suas ideias. Da merda fez seu sucesso.

Ao encarar uma instalação do artista Maurizio Cattelan, na qual pombos empalhados foram colocados no encanamento que cruzava o teto da galeria, Bottura entendeu que era possível subverter a tradição. Os pombos só eram percebidos porque nacos de fezes –de mentira– foram espalhados pelo chão. A obra do também italiano Cattelan “defecava” sobre as outras e deu a coragem necessária ao chef para conceber algo novo.

Da mesma forma, os outros personagens da série vão relatando como frustrações –familiares ou gastronômicas– foram o motor para o êxito. O programa é editado de forma inteligente e com belas imagens. Ainda assim,
os seis episódios juntos não chegam nem perto do documentário americano sobre Jiro Ono, dono de um pequeno restaurante em Tóquio.

“Jiro Dreams of Sushi’ (2011), dirigido por David Gelb, o mesmo de “Chef’s Table”, disseca a rotina do chef do Sukiyabashi Jiro, primeiro restaurante de sushi a receber três estrelas Michelin e apenas dez lugares. Como escreveu André Barcinski em uma crítica para a Folha, “Ono é considerado um dos maiores ‘shokunin’ do Japão, que significa artesão que busca a perfeição em sua arte. E a arte de Jiro é o sushi.”

Metódico, Jiro vê na repetição a melhor maneira para chegar à plenitude do sabor. Treina o jeito de cortar o peixe diariamente, como se fosse um aprendiz, mesmo já octogenário. A meticulosidade absurda está desde a compra de ingredientes no mercado até o nível altíssimo de exigência do chef. Mais uma vez, roubando passagens do texto do Barcinski, “um aprendiz conta que demorou vários anos até aperfeiçoar a técnica do sushi de ovo: “Quando Jiro finalmente elogiou meu sushi, fui para um canto e chorei como criança”.

Até este ponto, o leitor que costuma visitar este blog está se perguntando: “Ok, e daí, o que isso tem a ver com a fotografia?” Hmmmmm… Basicamente, nada. Talvez um pouco. Ao filmar a obsessão de Jiro, Gelb não fez um documentário sobre gastronomia, mas sobre o espírito japonês: silencioso, sistemático, reservado e cheio de regras sobre a forma correta de fazer algo.

Às vezes sinto falta de que a fotografia seja usada como uma ferramenta para falar sobre outros assuntos e não um fim em si mesmo. No último haikai que escrevi, falei como um primeiro contato mais hermético com fotolivros pode afastar o leitor para sempre. Gosto de ser surpreendido ao me pegar com algo que eu nunca imaginei consumir. Documentários, filmes e séries sobre gastronomia são exemplos disso. Fotografias podem expressar uma história, captar sensações, e não ser só uma força estética que dá voltas e voltas sem dizer nada. E então, talvez, será possível falar para públicos mais amplos e não apenas a um pequeno círculo que interage entre si.

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