‘Untourist’ mostra que fotos, assim como pessoas, só se completam quando estão ao lado de outras

DAIGO OLIVA

‘Untourist’, de André Matarazzo e Guilherme Abuchahla – Mesmo sem querer, o tino comercial do publicitário André Matarazzo, autor de “Untourist” ao lado do biólogo Guilherme Abuchahla, manifesta-se. Na capa do fotolivro que reúne imagens de quatro viagens do casal ao Japão, uma pessoa veste roupa inspirada no Pikachu, personagem de “Pokémon”. O lançamento da obra ocorre no mesmo momento em que o desenho volta a ser uma febre por meio de um jogo no qual milhares de pessoas caçam bichinhos coloridos por aí. “Untourist”, no entanto, oferece um brincadeira mais divertida. A obra parte de um trabalho apurado do fotógrafo Lucas Lenci, autor de trabalhos como “Desaudio” e “Hominini”, que editou um arquivo de 2.000 imagens. Mais do que selecionar fotos, Lenci deu sentido a um acervo feito sem pretensão, mais como o registro de uma cultura que oscila entre a sutileza e o exagero do que como algo que nasceu para se tornar um livro. Se o clichê é dizer que fotógrafos devem buscar maneiras de se destacar dentro de um universo em que todos são produtores visuais, a resposta a esse “problema” está na edição. Desenhar um fio que conduza o leitor de uma imagem a outra parece-me muito mais importante do que a velha concepção de fotografias feitas para serem vistas como peças únicas, isoladas de um grupo a sua volta. “Untourist” destaca-se por criar um caminho coerente e divertido.

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Os vínculos entre as fotos são facilmente reconhecidos: um globo terrestre é seguido da imagem de um mapa exibido em telas de assentos de aviões, que por sua vez conecta-se à capa de um guia de turismo sobre o Rio. A imagem de um aeroporto leva a uma vista aérea no qual o sol aparece ao canto. O sol volta a surgir no registro posterior. Esse tipo de associação lembra o fotolivro “This Equals That”, de Jason Fulford e Tamara Shopsin, graciosa publicação editada pela Aperture e dirigida a crianças. A correlação de formas e cores serve de primeira lição de como narrativas podem ser construídas. “Untourist”, porém, não se limita a esse tipo de fusão. O close de uma mosca está ao lado da imagem de uma pessoa em frente a uma janela, o que faz o leitor ouvir o zunido do inseto. Um bebê japonês –quem resiste?– ganha um banho de luz da foto à direita. Um casamento oriental cujo noivo é ocidental carrega a comicidade de uma aula de japonês via Skype. Ainda que a edição tenha feito com que as imagens de André e Guilherme se transformassem em algo além de seus anseios iniciais, a sensação de que essas fotos são registros da cumplicidade de um casal durante suas viagens permanece. Eles se fotografam, são personagens da foto de um e do outro. No final, o fotolivro mostra que, assim como as imagens, nós só somos completos quando estamos ao lado de outras pessoas. A tiragem inicial de “Untourist” é de 60 exemplares. O editor da obra, Lucas Lenci, diz que tanto ele quanto os autores buscam uma forma de viabilizar mais cópias. Por enquanto só é possível comprar o fotolivro por meio do e-mail lucas@lucaslenci.com.

UNTOURIST
AUTORES Andre Matarazzo e Guilherme Abuchahla
EDITORA autopublicado
QUANTO R$ 90 (118 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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Haikai: em críticas curtas, o blog comenta fotolivros lançados neste ano.

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