Exposição na Casa da Imagem repassa as últimas seis décadas da fotografia publicitária brasileira

DAIGO OLIVA

A partir de sábado (19), a Casa da Imagem, na região central de São Paulo, inaugura uma exposição que traça um panorama dos últimos 60 anos da fotografia publicitária produzida no Brasil.

Com curadoria do fotógrafo Cristiano Burmester e do pesquisador Rubens Fernandes Jr., autor de “Papéis Efêmeros da Fotografia”, livro no qual conta a história do comércio fotográfico no país, a mostra marca três décadas da Abrafoto (Associação Brasileira de Fotógrafos) e mescla nomes já consagrados do cenário brasileiro, como German Lorca e Chico Albuquerque, e artistas mais jovens, como Gustavo Lacerda, autor de “Albinos“.  Leia a entrevista com o curador da exposição.

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Entretempos – A mostra reúne trabalhos dos últimos 60 anos da fotografia publicitária no país. Qual critério foi usado para selecionar as imagens? 

Rubens Fernandes Jr. – A exposição é uma celebração dos 30 anos da Abrafoto, então, em tese, a gente faria um recorte de 1985 até agora. Mas, com a minha perspectiva de pesquisador, eu convenci a associação de que teria de haver um núcleo histórico. É uma pesquisa que já dura dois anos e meio. Dentro desse núcleo, eu destaquei trabalhos de alguns nomes já reconhecidos, como German Lorca e Chico Albuquerque, que fez a primeira fotografia publicitária do Brasil, em 1949, para a agência Thompson. Ele fotografou um produto da Johnson & Johnson.

Que elemento determina que esta foi a primeira foto publicitária do país?

Essa foi a primeira imagem fotográfica usada plenamente, como uma foto mesmo, e não como ilustração ou base para uma ilustração, o que era muito comum até os anos 1940. Até ali, você fazia um bom layout, depois uma boa fotografia e, por fim, um retoque americano, que fazia a foto virar quase uma ilustração. O próprio Chico dizia que ele foi o autor da primeira foto publicitária brasileira, assim como as agências admitem isso. Foi a primeira vez que a fotografia migrou direto para o fotolito. Depois do Lorca e do Chico, nos anos 1950, peguei também o Henrique Becherini, que foi um pioneiro, e, depois, já nos anos 1960, outros três nomes: Otto Stupakoff, Milan Alram, que fez uma campanha linda, com a Helô Pinheiro antes de se tornar Garota de Ipanema, e Sergio Jorge, vencedor do primeiro Esso de fotojornalismo e que posteriormente migraria para a publicidade. Ele foi um dos fundadores do Estúdio Abril ao lado do Chico Albuquerque.

Muitos dos fotógrafos da mostra são nomes conhecidos, que têm carreiras consolidadas na publicidade mas também têm trabalhos autorais. É possível perceber a influência do estilo pessoal desses artistas nas peças encomendadas?

Tem pouca coisa autoral nesses trabalhos publicitários. A grande maioria parte de um layout ou de uma ideia específica. Mas, de qualquer forma, eu considero a fotografia publicitária um lugar onde se experimentou muito. O cinema publicitário é o lugar da experimentação. Você testa em 30 segundos algo que pode ser aproveitado em trabalhos autorais. Na fotografia, a mesma coisa.

Qual seria um exemplo desse processo?

Foram testados muitos filmes e efeitos que depois foram absorvidos pelos fotógrafos em seus trabalhos autorais. O Klaus Mitteldorf é um exemplo claro. A cor é uma característica do trabalho dele e, quando o Klaus começa a reverter filmes, começa fazendo isso na publicidade. Hoje essa é a marca da obra dele. O Bob Wolfenson, que fez uma imagem para o shopping Eldorado com referência direta à foto do beijo do [Robert] Doisneau, usa muito a experiência publicitária no seu trabalho autoral, e vice-versa. A publicidade exige, tecnicamente, um nível que, sem a prática neste campo, talvez o fotógrafo não alcançasse essa excelência.

O que te surpreendeu na pesquisa? O que surpreenderá o visitante da mostra?

Na minha cabeça, a exposição funciona como uma espécie de memorabilia. Eu tenho 65 anos, então essas imagens puxam as músicas, as campanhas de TV, principalmente a partir dos anos 1970. É um mergulho na memória. Para quem tem mais de 40 anos, a mostra será um revival total. Para quem é jovem, será uma surpresa perceber quais artifícios os fotógrafos usaram nos anos 1950, 1960 e 1970 para produzir uma imagem tecnicamente elaborada. O Sergio Jorge, por exemplo, tem a foto de um carro que fazia referência à passagem do cometa Halley. Ele vai ao planetário, que simula o cometa para o fotógrafo. Daí ele faz a fusão da imagem e da foto do automóvel. Há uma intuição e uma criatividade próprias do brasileiro. A exposição vai colocar o jovem diante da questão técnica e, depois, ao percorrer a exibição, ele vai se deparar com o design dos telefones, com a calça jeans… A US Top tem uma campanha linda: “Liberdade é uma calça jeans desbotada”. Em plena ditadura você está discutindo a liberdade e, naquele momento, era isso o que você poderia dizer sobre o tema. A exposição consagra várias atitudes geracionais.

H. Becherini

Algumas das imagens mais recentes apresentadas na mostra exibem um estilo que, nos últimos anos, consolidou-se como a fotografia publicitária em todo o mundo. Uma estética muito produzida, computadorizada, quase sempre realizada em estúdio. Por que a fotografia publicitária ficou tão padronizada?

O mundo globalizado trouxe essa pasteurização, essa uniformização nas imagens. O discurso passa a ser mais global do que local. A sua imagem pode vazar para qualquer lugar, então isso foi mudando. A publicidade também se globalizou do ponto de vista da produção. Quando você faz o anúncio de um carro, a campanha passa por São Paulo, Nova York, Londres… Então você perdeu um pouco daquela coisa mais regional para ganhar um tom mais global.

FOTOGRAFIA PUBLICITÁRIA BRASILEIRA
ONDE 
Casa da Imagem, r. Roberto Simonsen, 136-B, tel. 11-3241 1081
QUANDO
abertura neste sábado (19), das 11h às 14h; de ter. a dom, das 9h às 17h; até 2/4
QUANTO
grátis

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