Imagens instigantes e bom projeto gráfico perdem para sensação de déjà-vu no fotolivro ‘Sunyata’
‘Sunyata’, de Rafael Roncato – Grande parte do ano que passou parece ter sido, ao menos para quem publica fotolivros no país, um período mais calmo. Após diversos lançamentos excelentes em 2014 e 2015, veio o silêncio para produzir novas imagens e novos trabalhos. O ritmo foi retomado nos últimos meses de 2016, quando a Ubu fez sua estreia na fotografia com “Ressaca Tropical”, de Jonathas de Andrade, a Editora Madalena publicou o novo de Lucas Lenci, “Movimento Estático”, e a Fotô Editorial, capitaneada pelo curador Eder Chiodetto, começou com impacto ao lançar três obras em sequência –sobre elas voltarei a escrever em breve. A boa onda de 2014 e 2015 também se transformou em estímulo a jovens autores que ainda não haviam experimentado o formato de fotolivro, caso de Rafael Roncato, que apresentará “Sunyata” como trabalho de sua pós-graduação. Embalado em uma sobrecapa vermelha que se desdobra e se torna o principal espaço para texto na obra, a publicação mostra que o design é um de seus maiores atrativos. O projeto gráfico, criado por Milena Galli, tem tanto sutilezas quanto intervenções mais explícitas. Entre as minúcias, por exemplo, há o detalhe sofisticado de um retângulo vermelho que funciona como negativo da tira branca da sobrecapa. Por outro lado, folhas vegetais soltas no miolo jogam ao leitor citações de obras que vão do dramaturgo italiano Luigi Pirandello ao brasileiro Lourenço Mutarelli. Há muito texto em “Sunyata”. Na parte interna da sobrecapa, muitas e muitas palavras discorrem sobre o “vazio”, tema da obra. Nunca escondi o incômodo com motes abertos a tantas interpretações como é o “vazio”. Muitas vezes, esse tipo de assunto aparece como muleta para imagens abstratas e que ainda não fazem sentido ao artista. Aí o vazio pode ser tudo e, peço desculpas pelo clichê, nada.
Ainda que Roncato justifique o vazio a partir do conceito budista segundo o qual nada tem natureza própria –daí o título, “Sunyata”–, sinto-me à deriva. De que vazio o autor está falando? O que afinal ele quer nos dizer? Mais: penso se, neste caso, um tema realmente se fazia necessário. Por que raios um fotolivro precisa ser sobre algo? “Sunyata” é bem fotografado, com imagens instigantes, modernas e boa edição. O fotógrafo intercala registros urbanos com texturas de cores vibrantes. A obra ficaria em pé mesmo se não tivesse uma só palavra para justificá-lo. Apreciar como as fotografias se encaixam e se repelem já não seria poético o bastante? Em alguns momentos, suas associações lembram “Colors”, do japonês Yoshinori Mizutani. Em outros, devido à narrativa guiada por cores, recorda-me “BR Motels”, dos brasileiros Alexandre Furcolin Filho e Jazzie Moyssiadis. Também por isso, “Sunyata” é daqueles fotolivros que se parecem com vários outros trabalhos publicados recentemente, o que traz uma sensação de déjà-vu. A obra tem muitas citações, muitas referências a pensadores e traços de outros fotolivros. Percebe-se, porém, pouco de quem é o autor de “Sunyata”. Se essa estreia mostra um capricho admirável em seu projeto gráfico e uma edição competente para boas imagens, será muito bom acompanhar o crescimento de Roncato e o florescimento de sua personalidade no próximo lançamento.
SUNYATA
AUTOR Rafael Roncato
EDITORA autopublicado
QUANTO R$ 120 (72 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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Haikai: em críticas curtas, o blog comenta fotolivros lançados neste ano.
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