Melhores fotolivros de 2015: Walter Costa
Seguimos com o terceiro convidado das listas de melhores fotolivros de 2015 no Entretempos. Depois do crítico alemão Jörg Colberg e do fotógrafo Fabio Messias, o italiano Walter Costa apresenta os cinco eleitos deste ano. Ao lado de Messias e Renata Baralle, ele é fundador do grupo de estudos de fotolivros Trama. Na quarta (30), o blog ainda mostra a seleção de Leo Caobelli.
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O livro é da editora inglesa Mack, o que quer dizer atenção quase maníaca para impressão e acabamento e uma (justificada) alergia às sacadas de design. Imagens. Boas. Apenas. As luzes são do deserto da Califórnia, aquelas que esculpiram os negativos de Robert Adams e pintaram as placas de Richard Misrach de uma cor que evapora por meio do calor. O fotografo é Ron Jude, brincando de si mesmo, ora criança curiosa nos enquadramentos agachados, onde tudo parece maior, ora um adulto que, cheio de saudade, revive os anos da infância à beira do lago. A edição, suave e melancólica, ritmada e imprevisível, leva o leitor até o final acumulando muitas sensações e dúvidas não resolvidas. A citação do livro “Wolf in White Van”, do musico e escritor John Darnielle, apenas deixa pistas sobre o caráter autobiográfico do livro, reforçando a grande elipse que marca o trabalho. As gravações de Joshua Bonnetta, disponíveis no site da editora e em vinil, enchem o silêncio do livro de sons brancos (e menos brancos) e de reflexões de Jude revivendo memórias. Os fragmentos finalmente encaixam, mas nunca completamente.
Garapa – ‘Postais para Charles Lynch’ (autopublicado)
Abordar a cultura da violência que permeia a sociedade brasileira não é tarefa fácil. Afastar-se das fáceis dicotomias e da retórica destrutiva, no estilo “Cidade Alerta”, é ainda mais difícil. Antes de ser artístico, mostrar a barbárie dos linchamentos no Brasil é um ato humano e político. O coletivo Garapa, com muita coragem, apropriou-se e reinterpretou fotogramas de vídeos de linchamentos no YouTube e seus respectivos –e assustadores– comentários, juntando fragmentos e roteirizando a brutalidade. O livro joga na cara do país sua alma violenta, adormecida nos seus cidadãos, até explodir incontrolavelmente nesses episódios que a perversão da censura, demasiadamente ocupada em apagar qualquer rastro de nudez, deixa circular livremente na rede. É um livro de artista, mas também um fotolivro, primorosamente concebido e acabado, pesado como o metal da capa e da base na qual uma fita guarda os vídeos usados para as apropriações. É um grito de alarme que condena quem mata com as pedras da rua e com o teclado do computador (enquanto espero impacientemente uma tiragem maior, o livro pode ser visto na exposição coletiva “Fotos Contam Fatos”, na Galeria Vermelho, e em sua versão exibida na mostra no Estúdio Madalena).
Miyuki Okuyama – ‘Dear Japanese’ (The Eriskay Connection)
Um pequeno livro com grandes objetivos é o fruto do trabalho da autora em colaboração com Reminders Photography Stronghold, um interessante espaço e plataforma para fotolivros artesanais do Japão. Contar uma história trágica que se desenvolve entre Indonésia, Japão e Holanda já é complicado per se. Desvelar a crueldade e os preconceitos contra quem tem no sangue uma mistura dessas três nacionalidades e está na busca de uma identidade própria é ainda mais complexo. “Dear Japanese” consegue cumprir essa ambiciosa vontade por meio de uma edição e um design que deixam intuir as tantas tragédias pessoais que, juntas, tornam-se uma diáspora. Rostos escondidos detrás de paisagens e uma costura manual tão solta quanto os laços com uma mãe pátria que não existe, na qual todo idioma é familiar e estrangeiro ao mesmo tempo. Definitivamente, um pequeno grande livro.
Erik Van Der Weijde – ‘Manifesto de Publicação’ (Contra)
Não é um fotolivro, mas deveria estar na biblioteca de todo autor, editor e designer que queira fazer um. Quatro folhas dobradas e grampeadas que enriquecem a coleção A5 da Contra Editora. Folhas densas de regras, convicções, desejos e compromissos que o mais brasileiro dos artistas holandeses tem com a publicação do próprio trabalho em formato de fotozines e fotolivros (já se vão mais de 45!). Manifesto, guia e juramento de Hipócrates por parte de um dos mais comprometidos e prolíficos produtores de fotolivros da atualidade.
Vincent Delbrouck – ‘Dzogchen’ (autopublicado)
O pirotécnico último livro da trilogia Himalayan não trai expectativas. No estilo de Delbrouck reencontramos o prazer da experimentação livre com as imagens, folheando com avidez as rugosas páginas maravilhosamente impressa. A característica do autor é reproduzir diretamente as páginas do boneco, ressaltando assim as cores saturadas dos prints originais feitos por um laboratório nepalês e trazidos para a Bélgica, onde o autor mora. Colagens, pequenas sequências quase cinematográficas, respiros de imagens de página inteira, tudo sabiamente amarrado por uma paleta de cor coerente, que dá ritmo à edição fragmentada. Entre os lugares, as pessoas e os detalhes aparecem folhas soltas com escritos que parecem pequenas histórias ou fragmentos do diário do autor, que dão ainda mais poesia às imagens. O aspecto retrô e o ar nostálgico das fotografias são reforçados por saber que os lugares retratados, provavelmente, foram engolidos pelo terrível terremoto que destruiu o país em abril. De românticas notas da vida cotidiana, as imagens se tornam testemunhos involuntários de um Nepal que foi e que, esperamos, volte a ser.
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