Entretempos https://entretempos.blogfolha.uol.com.br Artes visuais diluídas em diferentes suportes, no Brasil e pelo mundo Sun, 28 Nov 2021 14:42:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 De Dentro #27 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/08/18/de-dentro-27/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/08/18/de-dentro-27/#comments Tue, 18 Aug 2015 16:07:08 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=15461 Quem acompanha o blog desde o início deve se lembrar da seção De Dentro. Um convidado elege uma imagem importante em sua vida –uma foto, uma pintura, uma capa de disco, um cartão postal, o que vier a cabeça– para relembrar memórias ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

A última vez em que publicamos um relato desse tipo foi há mais de dois anos, em julho de 2013. Agora, o artista plástico e arquiteto Almandrade, que expõe a partir de sábado (22) em São Paulo, na Galeria Baró –veja as informações sobre a mostra no fim da postagem–, enviou-nos um texto sobre a escultura que instalou no campus da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, parte da terceira edição da Bienal da Bahia, realizada no ano passado.

Essa escultura era um sonho de artista e estudante de arquitetura. Desde o final da década de 1970, pensei em instalar em Salvador uma escultura pública que levasse em conta a luminosidade da cidade. Quando a curadoria da 3ª Bienal da Bahia, em 2014, me convidou para realizar um dos meus estudos de escultura como um legado para a cidade, nem acreditei.

Pensei que não seria realizada. Os curadores fizeram a escolha da maquete, e partimos para encontrar o local ideal, o campus da UFBA (Universidade Federal da Bahia) –sugestão que deu certo. O artista tem responsabilidade e cumplicidade quando leva seu trabalho para a rua. Não é simplesmente colocá-lo na praça sem passar por um processo de reflexão e de adaptação ao espaço público. Vivemos num mundo dominado pela imagem, e a arte deve ser a imagem que desvia o olhar para o pensamento e para o poético.

A escultura foi pensada para um lugar onde o transeunte pudesse interagir. Com as cores primárias –azul, vermelha e amarela–, os planos se encaixam para ocupar um lugar no espaço. Os acasos da natureza não foram desprezados, luz e sombra participam da composição da peça e colaboram na sua dimensão lúdica. Como não lembrar as fantásticas peças de Franz Weissmann ou os labirintos de Hélio Oiticica? A arte tem sua memória.

No lugar onde foi colocada, a escultura dialoga com os prédios ao redor e o verde da paisagem. Entre escultura e arquitetura, um abrigo para o olhar e o corpo. Sem dentro nem fora. A depender de onde se olha, pode-se estar dentro ou fora. Abrigos não habitáveis, arquitetura do acaso, leve e lúdica.
Os planos se interpenetram e se apoiam mutuamente, criando uma situação de equilíbrio. Coloridas, divertidas, não negam uma sintonia com a tradição construtivista, o minimalismo e a arte conceitual.

DO POEMA VISUAL À POÉTICA DO PLANO E DO ESPAÇO
ARTISTA
Almandrade
QUANDO abertura no sábado (22), às 11h, de ter. a sex., das 10h às 19h,
sáb., das 11h às 16h; até 17/10
ONDE Baró Galeria – Galpão, r. Barra Funda, 216, tel. (11) 3666-6489
QUANTO grátis

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De Dentro #26 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/07/15/de-dentro-26/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/07/15/de-dentro-26/#respond Mon, 15 Jul 2013 12:30:25 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=4376 O De Dentro dessa semana é da fundadora da Casa Tomada, Tainá Azeredo.

Uma Brasília e o Cinema Paradiso

Cinema Paradiso foi o primeiro filme que eu me lembro de ter visto no cinema. A sala de cinema mais perto da minha casa ficava em Brasília, a 150 km de estrada ruim. Ir ao cinema era uma aventura em si: arrumar as crianças no carro, colocar gasolina, pegar estrada com o vidro aberto, cantar todo o caminho, fechar o vidro quando algum caminhão passar levantando poeira, chegar em Brasília, passar pelo muro do zoológico e ver as girafas na terra vermelha, descer no shopping, comer no Marieta, filme e toda a historia ao revés até chegar de volta em casa.

1989, pais e irmã em uma Brasília marrom (o carro e a cidade). Na época, eu estava aprendendo a ler, e eles me levavam para assistir ao meu primeiro filme legendado. Quando a tela acendeu, li sozinha CI-NE-MA-PA-RA-DI-SO, e depois disso mais nada. Perdi as palavras com as imagens. Fiquei vendo aquilo tão absorta quanto as pessoas que assistiam aos filmes naquele antigo cinema italiano. Na minha história não importa o que li de verdade.

A minha relação com as imagens no meu trabalho começa aqui, eu me tornei uma pessoa de imagens. Todas os meus trabalhos, as minhas ideias e textos sempre partem de imagens. Eu as construo mentalmente com memórias e novas referências e a partir delas vem o texto, o projeto, a exposição. A tragédia do incêndio sempre me fez pensar que não importa quantas caixas de sapato cheias de fotos, recortes e papéis eu colecione pela vida, as histórias que eu construo e reconstruo a partir das memórias sempre serão as verdadeiras, por mais que elas mudem com o tempo. 

Essa, por exemplo, eu acabei de reconstruir.

Tainá Azeredo é co-fundadora e diretora da Casa Tomada, programa de residência artística criado em 2009. Graduada em artes do corpo e mestre em crítica, curadoria e história, Tainá também produziu trabalhos como artista.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para assim, relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira outros: Lígia Mesquita, Lívia Aquino, Daniel Benevides, Chico Felitti, Vivian Whiteman, Zé Vicente, Juca Kfouri, Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado

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De Dentro #25 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/07/01/de-dentro-25/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/07/01/de-dentro-25/#respond Mon, 01 Jul 2013 13:55:00 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=4211 Na volta do De Dentro, a jornalista da Folha Lígia Mesquita.

As caixas de recordações das nossas vidas

Antes de entrar no Museu da Inocência, em Istambul, confesso que estava apreensiva e morta de curiosidade. Tenho um pé atrás –às vezes os dois– quando ouço a palavra “instalação”. Imagina então uma “instalação baseada em um romance”, como descrevem guias da cidade. Como seria isso? Ficava lembrando de cada instalação que já vi e tive vontade de fugir…

Mas estava lendo –e adorando–“Museu da Inocência”, do turco Orhan Pamuk, ganhador do Nobel. E lá fui com um grupo de amigos. O lugar já me ganhou na entrada. As duas paredes da primeira sala eram forradas com 4.213 bitucas de cigarro, todas datadas embaixo, muitas com marcas de batom. Eram todos os cigarros fumados por Füsun no período em que ela e Kemal viveram seu romance –e ele guardando cada resto das tragadas.

Kemal e Füsun são os protagonistas do romance de Pahmuk. E o museu ali conta todos os momentos que os dois viveram juntos por meio de objetos. São 83 “instalações” – armários, gavetas e quadros – recheados com os lembranças dos dois, uma para capítulo da obra. Na linha cronológica da história sendo contada também se passam todas as transformações vividas por Istambul, de 1970 a 2000.

Não sei se alguém consegue observar todos aqueles restos de cigarro sem se indagar algumas coisas. O que leva uma pessoa a guardar esse tipo de recordação: amor? sentimento de posse? o medo de esquecer o que viveu? Impossível ter uma resposta certa.

Era proibido tirar foto, mas a cada armarinho novo cheio de novidades e imagens tão simples e lindas ficava difícil respeitar a regra. Afinal, esse museu era a prova de que recordar é viver. E recordar, na maioria das vezes, é ter alguma coisa para se apegar. No caso de Kemal, vale até uma casquinha de sorvete mordida. Era o box 51 na parede. O nome: “A Felicidade É Estar Perto de Quem Você Ama, e Mais Nada”. 

O resto são recordações.

No meu museu da inocência, a imagem que receberia os visitantes logo na entrada seria a capa de “Frewhweelin”, de Bob Dylan. A legenda, em inglês, diria: “Don’t think twice, it’s alright”. Em português, ganharia tradução livre: “Tamo junto”.

Lígia Mesquita é repórter da coluna Mônica Bergamo e a partir de agosto será correspondente da Folha em Buenos Aires.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção “De dentro” –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para assim, relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira os outros De Dentro: Lívia Aquino, Daniel Benevides, Chico Felitti, Vivian Whiteman, Zé Vicente, Juca Kfouri, Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado

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De Dentro #24 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/06/10/de-dentro-24/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/06/10/de-dentro-24/#respond Mon, 10 Jun 2013 11:00:48 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=3909 O De Dentro dessa semana é da pesquisadora Lívia Aquino.
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“Como Falam as Fotografias”, 2010.

A partir da modernidade fomos impelidos a compreender de formas distintas uma vida atravessada pela fotografia. Ela já foi um documento, um índice de algo, um rastro, apenas uma aparência, quiçá uma construção.

Como uma bola de neve, a fotografia ganha camadas conforme desce freneticamente a montanha, perdendo um ou outro sentido pelo caminho, mas carregando um tanto de sua própria história nos arquivos infinitos.

Vivemos sob a suspensão da poeira provocada por essa bola ao chegar na planície, quando as imagens se espalham e ganham significado tanto pelos fragmentos quanto pela grande massa. As fotografias suam, tocam, gritam e nos fazem perceber que o seu tempo é sempre um presente carregado de futuros e passados, de memórias e esquecimentos, de vidas e fantasmas.

Quando olhamos as fotos de família em uma caixa de sapatos ou as cenas turísticas no Facebook dos amigos nos reconhecemos de alguma forma naqueles protocolos. Ultimamente ando a pensar sobre eles.

Talvez por causa disso venho colecionando imagens em palavras, como na série “Como falam as fotografias” e na seção “O que é fotografia?”, na qual empresto suas diversas definições de personagens da literatura. Há uma ambivalência nessas fotografias, elas dizem sobre nós, mesmo que não estejamos lá ou que elas nem existam ainda.

Lívia Aquino é fotógrafa, professora e pesquisadora do campo da imagem, doutoranda em artes visuais e mestre em multimeios pela Unicamp. Atualmente é coordenadora da pós-graduação em Fotografia da FAAP, em São Paulo. Edita o blog Dobras Visuais.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para assim, relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira os outros De Dentro: Daniel Benevides, Chico Felitti, Vivian Whiteman, Zé Vicente, Juca Kfouri, Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado

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De Dentro #23 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/27/de-dentro-23/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/27/de-dentro-23/#respond Mon, 27 May 2013 12:35:45 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=3539 O De Dentro dessa semana é do jornalista Daniel Benevides.

Lembro até hoje da sensação de segurar uma máquina Polaroid nas mãos. Era um formato estranho, anguloso, com uma fenda horizontal na frente, que mais parecia a boca de um sapo. Branca, tinha, se não me engano, umas faixas em preto, amarelo e vermelho.

Meio teletransportadora, a máquina atingia o ser ou objeto à sua frente com um raio, e o aprisionava em duas dimensões; alguns segundos depois, o sapo mostrava a língua. Uma moldura branca, feita de algum tipo de papel duro, envolvia uma superfície indefinida, que parecia meio molhada.

Segurando com os dedos em pinça na borda, abanávamos a foto com ansiedade, eufóricos com a mágica que se faria. De repente, como se viesse do fundo de um lago, conseguíamos divisar indícios de que uma imagem estava se formando. Era realmente mágica, não tinha outra explicação.

Em menos de um minuto se dava a revelação – e, por mais que já soubéssemos o que seria, era sempre uma revelação, como se víssemos os futuro na borra do café, ou nas entranhas de uma ave.

Bem, tudo isso para contar do meu fascínio pela polaroid. E qual não foi minha surpresa ao ver as imagens que Serge Gainsbourg, de quem sou (ou era) um humilde discípulo, havia feito com aquele mesmo aparelho que tanto havia marcado minha pré-adolescência?

Minha admiração pelo autor de “Je t’aime moi non plus” aumentou ainda mais. Quer dizer: ele pintava e desenhava bem, escreveu um romance, havia criado um estilo até hoje único na história da música pop, tinha casos com as mulheres mais lindas do planeta e ainda era craque na polaroid???

Essa imagem da musa Jane Birkin é minha favorita. Tanto quanto o próprio Gainsbourg, que era uma versão dândi do sujeito dividido entre suas porções Jeckyll e Hyde (brilhante e canastra, romântico e misógino, lírico e cínico, pai amoroso e alcoólatra canalha, velho rabugento e doce como uma criança), Jane curvada sobre o próprio corpo nu provoca impressões as mais diversas e aparentemente contraditórias: é, ao mesmo tempo sensual e infantil, simbólica e carnal, feminina e andrógina, sugere a mulher fértil (como em Klimt, uma influência provável, assim como seu amigo Egon Schiele) e a mulher-feto, força e fragilidade.

E é linda. Uma mão na vagina, outra na cabeça, como a ligar os dois polos da nossa existência. O cabelo curto fazendo contraste com a boca carnuda, o tom da pele, claríssimo, destacando-se num fundo bem escuro, como se flutuasse no ventre do nosso desejo, preparando-se para despertar com força arrebatadora na nossa imaginação. Não tem outra palavra: é foda.

Formado em arquitetura, Daniel Benevides é jornalista. Escreveu para as revistas “Trip” e”Bravo” e também para a Folha.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para assim, relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira os outros De Dentro: Chico Felitti, Vivian Whiteman, Zé Vicente, Juca Kfouri, Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado.

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De Dentro #22 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/20/de-dentro-22/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/20/de-dentro-22/#comments Mon, 20 May 2013 12:00:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=3444 O De Dentro dessa semana é do jornalista da Folha Chico Felitti.

A morte ganha do amor. E ganha bonito, estilo Boca versus Corinthians da semana passada. É tudo o que essa foto revela. Foi o que aprendi, a mil pés de altura, olhando a África de cima e o medo bem de baixo.

A imagem abstrata é um retrato do lago Manyara, no coração da Tanzânia, que Ernest Hemingway disse ser o mais lindo da África. Não que eu tenha reparado. Foi um dia que eu não vi nada além do meu fim. (Spoiler: ele não vem com retrospectiva dos pontos altos da vida nem usando a máscara com o rosto do seu grande amor).

Mais instruções e informações antes de decolar. Lá estava eu, num país sem McDonald’s, para encontrar Christian Cravo, meio dinamarquês, meio baiano e 100% filho de Mario Cravo Neto no talento. É o autor do retrato.

Christian estava na sua décima alguma coisa visita ao primeiro continente. Queria fazer um livro sobre a natureza selvagem recortado pela sua íris com a lente da câmera. Mais do que um National Geographic, estava lá para imprimir um Personal Geographic. E eu fui designado para contar como era um trabalho que envolvia dormir em acampamentos com diárias de US$ 1.000, jipes para savana com direito a frigobar lotado de cerveja, guias particulares e famílias de alemães entendiados em meio à selvageria.

Lindo, como o Hemingway diz que é o lago. Não houvesse um pedágio: chegar na reserva envolvia um trecho aéreo num avião pequeno. Pequeno mesmo. Quase do tamanho de um fusca. Não soa tão ruim, né? Facilitaria saber que aeronaves têm três apelidos na minha cabeça. Um é Morte com asas. O segundo é Suicídio de 400 e Poucos. O terceiro você que imagine.

Uma relação de carinho, a nossa. Mas é preciso fingir ser normal nessa vida. Ainda mais quando se está a trabalho e numa pista de terra batida de onde decolam aviões na cidade de Aruja.

A pista era minúscula. Proporção biquíni de carioca. O teco-teco parecia ainda menor. Mas era grande o suficiente para cabermos eu, o fotógrafo, seu amigo barra guia holandês e Babu, o piloto que tinha uma caveira com dois fêmures cruzados na camiseta.

Era espaçoso o suficiente até para levar um tonel de gasolina como quinto passageiro, sentadinho no banco ao meu lado. Ainda mais se retirassem a porta e a gente voasse levando vento na cara, como de fato foi feito.

O pesadelo seria ainda mais qualificado se o piloto oferecesse o leme do avião para um holandês com poucos minutos de voo. E se sentasse, relaxadão, com as mãos atrás da cabeça enquanto a vida de quatro pessoas (e de um barril de gasolina) ficassem por duas hélices. Tire os verbos do condicional, essa era a realidade.

É doce morrer no ar, cantarolava um senso de humor negro no fundo da situação. “Que tesão!”, gritava o Cravo enquanto dava à luz a umas fotos lindas que entrariam pro livro. Procriar definitivamente não era uma das minhas punções ali no alto.

A certeza me dizia: era a última imagem que eu ia ver. Podia escolher entre o lago com mais flamingos que um filme de Walt Disney, o piloto que era a cara do Mister T ou a cara do algoz, um holandês branquelo que tinha aprendido a pilotar avião só por observância.

O mesmo senso de obrigação que leva turistas ao Louvre me ditou: olha para onde tá todo o mundo (piloto e “piloto”, inclusive) olhando. E fiquei encarando o lago Manyara como se aquela imagem pudesse me salvar. Não me salvou. Nem pensar que o amor me esperava de volta na terra. Nada salva. Eu olhei pra cara da morte, e ela só parecia com o lago Manyara.

Deu que meia hora depois o avião pousou numa picada no meio da reserva para safáris. E eu saí vivo, querendo abraçar leões e ignorando de propósito que haveria um voo de volta. Olho para o lago da foto hoje e repito: não foi o que eu vi. Por isso que, desde esse dia, digo que fotografia é emprestar olho alheio para ver. E pelas retinas eu agradeço, Cravo. Mas pelo voo não.

Chico Felitti é repórter da revista sãopaulo, da Folha. Escreveu para o jornal “O Estado de S. Paulo” e para as revistas “SET” e “Galileu”. Também edita o blog Digo Sim, sobre casamentos.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para assim, relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Confira outros: Vivian Whiteman, Zé Vicente, Juca Kfouri, Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado.

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De Dentro #21 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/13/de-dentro-21/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/13/de-dentro-21/#respond Mon, 13 May 2013 12:00:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=3312  

O De Dentro dessa semana é da jornalista Vivian Whiteman.

É assim que me lembro dela: branca, a foto no meio, começando assim na altura do peito, com moldura cor-de-rosa estampada de onça. E umas bordas pinceladas amarelas. Foi minha primeira camiseta “de banda”, minha primeira camiseta da Madonna.

Ganhei da minha tia, acho que vinda das hoje desaparecidas lojas Mesbla. Eu tinha uns sete anos. A foto estampada, fui saber décadas depois, foi feita por um cara chamado Gary Heery. Substituiu uma outra opção bem sem charme, meio cafona no mau sentido, que jamais poderia ter sido capa do primeiro disco da grande diva da minha vida.

O disco que tem “Lucky Star”, um sinal de que a rainha do pop estava na área, meu bem. Eu pirava nas pilhas de pulseiras, na corrente no pescoço. Amava usar a “camiseta da Madonna”, minha mãe tinha dificuldade de me empurrar outras opções.

Usei até a foto sumir. Não me lembro exatamente da primeira vez que ouvi uma música ou vi um clipe dela. Provavelmente, no “Fantástico”, porque o evento MTV só rolou nos 90, quando eu já era adolescente.

E ainda não existia o Clip Trip, na Gazeta, responsável pela alegria dos pré-teens que gostavam de música. Foi lá que vi “Like a Prayer”, um momento decisivo na minha formação enquanto mina, mas isso é outra história. A sessão de Heery com Madonna mostra que, já naquele começo, ele tinha entendido como ela queria ser, que tipo de artista estava surgindo. É um grande mérito pra um fotógrafo.

A cara de gato bravo, as sobrancelhas uau, o olhar de quem vai estourar as correntes. Estourou várias e, quando não arrebentou, esticou até o limite. Mesmo tiazona, ainda passa muita rasteira nas novinhas. É difícil dizer o que me atraía tanto naquela foto aos 7 anos. Talvez uma imagem do que eu gostaria de parecer, uma espécie de modelo visual.

Sempre curti as bafônicas: amava, por exemplo, as modelos e atrizes das capas de Nova, espalhadas pela casa da mesma tia que me deu a camiseta. Mas de uma coisa eu me lembro. De me sentir muito bem, muito legal, usando a camiseta com a cara da Madge.

E como a memória se constrói ao contrário, do presente para o passado, hoje posso dizer: foi minha primeira experiência de power dressing (não no sentido de roupa de executiva dos anos 80, mas na ideia de um pedaço de pano que tem e dá poderes quase ‘mágicos’). Tombou geral, Gary Heery; brigada, tia Lena, arrasou. Madonna, apenas <3.

Vivian Whiteman é jornalista cultural há 13 anos e escreve sobre moda e cultura na “Ilustrada” e na revista “Serafina”, da Folha.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira os outros De Dentro: Zé Vicente, Juca Kfouri, Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado.

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De Dentro #20 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/06/de-dentro-20/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/05/06/de-dentro-20/#respond Mon, 06 May 2013 11:00:59 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=3174  

O De Dentro dessa semana é do ilustrador Zé Vicente, todo com imagens.

Zé Vicente, 34, realiza, com Manuela Eichner, o projeto “Vi teu Nome num Peixe”, que espalha colagens no centro de São Paulo.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira os outros De Dentro: Juca Kfouri, Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado.

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De Dentro #19 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/04/22/de-dentro-19/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/04/22/de-dentro-19/#respond Mon, 22 Apr 2013 12:54:32 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=2825 O De Dentro dessa semana é do jornalista Juca Kfouri.

Das maiores emoções estéticas de minha vida senti no Museu de Arte Reina Sofia, em Madrid, ao ver a celebérrima “Guernica”, de Picasso. A tela em si, enorme, fortíssima, impressionante, já vale umas mil missas.

Mas você não chega perto dela assim, de supetão. Não. Antes você passa por um corredor com os “dibujos” do autor, como se fosse uma preparação, um aquecimento, aparentemente para preparar o visitante e não deixá-lo de quatro com a visão abrupta da imagem que equivale a um soco no estômago dado por Muhammad Ali.

Mesmo assim, aquecido, ninguém com um mínimo de sensibilidade, passa ileso pela experiência. Sim, é verdade, há controvérsias sobre o que inspirou Picasso a fazer “Guernica”.

Prefiro vê-la como ele a explicou, o horror do bombardeio da força aérea alemã hitlerista para ajudar o triunfo do generalíssimo Franco na guerra civil espanhola. O horror da guerra, em branco e preto, emerge com todas as suas cores e da tela exala até o terrível cheiro da morte, pedaços de gente, de animais, casas, da destruição total, ainda antes da bomba atômica.

Estar diante da “Guernica” e estar em frente de tudo de genial, e de miserável, que o ser humano é capaz de criar, e de demolir. É mesmo um privilégio inesquecível estar junto da “Guernica”.

Juca Kfouri é colunista da Folha. Formado em ciências sociais pela USP, foi diretor das revistas “Placar” e “Playboy”. Atualmente trabalha no canal ESPN e na rádio CBN, para qual faz comentários sobre política e, sobretudo, futebol.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira os outros De Dentro: Thais Gouveia, Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado.

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De Dentro #18 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/04/15/de-dentro-18/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2013/04/15/de-dentro-18/#comments Mon, 15 Apr 2013 11:00:17 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=2700 O De Dentro dessa semana vem com manual de instruções. Primeiro você clica aqui. Clicou? Agora deixe o Beach House carregar. Quando começar a música, aí então você pode seguir pelo bonito relato de Thais Gouveia.

Nossas meninices

Quando tinha uns quatro anos, meus pais costumavam levar eu e minha irmã Nathalia (que tem dois a mais que eu) para passear em Poços de Caldas, Minas Gerais. As vagas lembranças que tenho da época são frutos de fotos da gente vestindo conjuntinhos coloridos sentadas em charretes puxadas por cabras, correndo atrás de pombas e outras coisas do tipo.

Mas a imagem que sempre me tocou mais –e que me veio à tona pela semelhança de humor com essa da Nelli Palomaki– era uma em que estávamos agachadas com nossas carinhas emburradas e afundadas entre as mãos no meio de um bosque.

Era nossa forma de protesto. Me fez recordar o sentimento de cumplicidade que desde aquela época já nutria com minha irmã. Tudo em volta podia estar tedioso, mas a presença dela sempre me trazia uma alegria interior que me ajudava a transcender a mais chata das situações que os adultos impunham pra gente. Ela sempre foi muito generosa e atenciosa. Vivia tentando facilitar as coisas pra mim e ainda tinha dezenas de ideias, planos e tudo que eu precisava fazer era me jogar neles com ela.

Certa vez armou uma “cama elástica” com cobertores e cadeiras da sala de jantar da minha vó. Depois de tudo montado, me disse apenas: “Tudo pronto, pode pular!” – e eu me lancei sem nenhuma hesitação (o que me rendeu segundos de felicidade e uma pequena cicatriz na cabeça).

Também teve noites de mil penteados (que nos obrigavam a acordar nossa mãe Esther às quatro da manhã para desembaraçar nossos cabelos), dias de tentativas de reproduzir aquela engenhoca do vídeo de abertura do Rá-Tim-Bum, arquiteturas de cidades infinitas de Lego. 

Era um tempo em que a gente se bastava. Hoje ela está com 30 anos. E, com uma pequena pontada no coração, constato que nos vemos pouco. Menos do que a gente gostaria, mas o suficiente para que não nos percamos de vista. Centradas em trilhar nossos caminhos (iluminados pelos resquícios de nossos risos de criança), vamos seguindo em frente aceitando os intervalos de encontros e de tempos incertos. Mas sem perder a eterna sensação de estarmos lado a lado, mãos dadas, prestes a correr em direção ao mar.

Thais Gouveia é editora de fotografia da revista “Lola”.

Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.

Gostou? Confira os outros De Dentro: Peri Pane, Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado.

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