De Dentro #17
O De Dentro é do músico Peri Pane.
Através do umbigo
Lá estavam o Mickey e o Pateta, acompanhados por uma fanfarra em plena Disneylândia. Eu via tudo de dentro da barriga da minha mãe, pelo buraco do umbigo. Costumava compartilhar essa história com meus amigos do jardim da infância. Não sei se os meninos do tanquinho de areia acreditavam, mas para mim era a mais pura verdade.
Sonho ou imaginação? Nunca estive na Disney, nem minha mãe. É certo que, aos nove anos, meu irmão mais velho foi para os EUA, visitar uma tia casada com um texano. Trouxe na bagagem um uniforme completo de futebol americano, com o qual passei boa parte da infância, quando não estava matando índios com meu Playmobil verde, caubói solitário.
Talvez venha daí minha fantasia com a Disneylândia. Sou o caçula, o temporão, o raspa de tacho, como queiram. E quando se é o irmão mais novo de três, com uma diferença de 14 anos pro mais velho e de dez anos pro do meio, herdam-se muitas roupas, brinquedos e histórias.
Tudo ficou um pouco mais claro quando descobri uma foto Polaroid de 1975, na qual meus pais e meus dois irmãos estão dentro de uma piscina. Minha mãe está de vestido branco e com uma barriga acentuada. Sim, sou eu lá dentro, olhando o mundo através do umbigo. É única foto que tenho com o núcleo da família completo, ainda que minha imagem esteja oculta.
Nada de Estados Unidos ou Disney. Estamos no Hotel Assara, em Assunción, Paraguay. Minha cabeça infantil deve ter misturado as histórias. Cresci ouvindo meus irmãos falando sobre suas viagens com meus pais. O calor insuportável do chaco, que só passava com doses de tererê. Depois eram os passeios em Águas de São Pedro, Santos etc etc. Eu ainda não tinha nascido. Ou estava na barriga da minha mãe.
Sempre senti inveja desses programas porque, enquanto eu crescia, a família ia se dissolvendo. Meus irmãos saíram cedo de casa e foram tocar suas vidas. Meu pai seguiu o mesmo caminho. Casou com uma paraguaia. Eu fiquei com a polaroid, toda furada de tachinhas.
No ano passado, eu e meus irmãos fomos visitar nosso velho no Paraguai. Insisti para que procurássemos o Hotel Assara. E depois de muito rodar pelas ruas do centro de Assunción, deparamos com os destroços do hotel.
Fazia alguns dias, haviam colocado tudo abaixo. Caminhando pelos escombros, encontramos o lugar onde a foto foi tirada. Roubei um pedaço da piscina, que hoje fica ao lado da Polaroid, no meu museu de recuerdos.
Peri Pane, ou Homem Refluxo, também é Marcos Dávila. Músico, acaba de lançar o disco “Canções Velhas Para Embrulhar Peixes”.
Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção De Dentro –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.
Confira outros: Isabelle Moreira Lima, o pintinho, Filipe Redondo, Eduardo Leme, Renata Simões, Cassiana Der Haroutiounian, Juliana Freire, Daigo Oliva, Lulina, Daniel Klajmic, Mônica Maia, Nazareno Rodrigues, Beto Brant, Manuel da Costa Pinto, Marcos Augusto Gonçalves e Cassiano Elek Machado.
Lembranças e fotos de família são o que há de melhor para o nosso coração.Amei o texto!