De Dentro #25
Na volta do De Dentro, a jornalista da Folha Lígia Mesquita.
As caixas de recordações das nossas vidas
Antes de entrar no Museu da Inocência, em Istambul, confesso que estava apreensiva e morta de curiosidade. Tenho um pé atrás –às vezes os dois– quando ouço a palavra “instalação”. Imagina então uma “instalação baseada em um romance”, como descrevem guias da cidade. Como seria isso? Ficava lembrando de cada instalação que já vi e tive vontade de fugir…
Mas estava lendo –e adorando–“Museu da Inocência”, do turco Orhan Pamuk, ganhador do Nobel. E lá fui com um grupo de amigos. O lugar já me ganhou na entrada. As duas paredes da primeira sala eram forradas com 4.213 bitucas de cigarro, todas datadas embaixo, muitas com marcas de batom. Eram todos os cigarros fumados por Füsun no período em que ela e Kemal viveram seu romance –e ele guardando cada resto das tragadas.
Kemal e Füsun são os protagonistas do romance de Pahmuk. E o museu ali conta todos os momentos que os dois viveram juntos por meio de objetos. São 83 “instalações” – armários, gavetas e quadros – recheados com os lembranças dos dois, uma para capítulo da obra. Na linha cronológica da história sendo contada também se passam todas as transformações vividas por Istambul, de 1970 a 2000.
Não sei se alguém consegue observar todos aqueles restos de cigarro sem se indagar algumas coisas. O que leva uma pessoa a guardar esse tipo de recordação: amor? sentimento de posse? o medo de esquecer o que viveu? Impossível ter uma resposta certa.
Era proibido tirar foto, mas a cada armarinho novo cheio de novidades e imagens tão simples e lindas ficava difícil respeitar a regra. Afinal, esse museu era a prova de que recordar é viver. E recordar, na maioria das vezes, é ter alguma coisa para se apegar. No caso de Kemal, vale até uma casquinha de sorvete mordida. Era o box 51 na parede. O nome: “A Felicidade É Estar Perto de Quem Você Ama, e Mais Nada”.
O resto são recordações.
No meu museu da inocência, a imagem que receberia os visitantes logo na entrada seria a capa de “Frewhweelin”, de Bob Dylan. A legenda, em inglês, diria: “Don’t think twice, it’s alright”. Em português, ganharia tradução livre: “Tamo junto”.
Lígia Mesquita é repórter da coluna Mônica Bergamo e a partir de agosto será correspondente da Folha em Buenos Aires.
Toda segunda, o Entretempos apresenta a seção “De dentro” –uma pessoa elege uma imagem importante em sua vida (uma fotografia, um quadro, uma capa de disco, um postal, o que vier a cabeça) para assim, relembrar memórias e sensações ou relatar o porquê daquela figura ser tão fundamental.
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